O maior impacto da tecnologia nos últimos dez anos não veio só de novos equipamentos, mas de serviços que deram mais poder às pessoas e mudaram a economia, a política e a comunicação
Foi em uma segunda-feira, há quase 10 anos, que a Apple anunciava uma novidade que prometia mudar o mundo. Não se tratava de um aparelho como um iPhone ou um iPad, mas um serviço online para que as pessoas pudessem consumir música digital de uma maneira legal até então pouco popular – ao contrário dos sites de troca de arquivos que desde 1999 já forçavam a queda nos lucros das gravadoras.
Assim, em 28 de abril de 2003, ia ao ar a iTunes Music Store. A loja, na época disponível apenas para usuários de Macintosh, tinha um catálogo de 200 mil músicas que podiam ser baixadas (por um preço de US$ 1 por faixa) e copiadas para os iPods.
“Os consumidores não querem ser tratados como criminosos e artistas não querem ver seus trabalhos roubados. O iTunes Music Store oferece uma solução para ambas as partes”, disse Jobs, então com 48 anos, durante o lançamento, segundo a reportagem publicada no Estado na época.
Cinco anos depois, a iTunes Store se tornou a maior loja de música dos Estados Unidos.
Mas mais do que mostrar que havia uma forma de a indústria fonográfica lucrar com a internet, o serviço da Apple também representava uma mudança na evolução da tecnologia. Não eram mais só os novos aparelhos que ditavam o progresso tecnológico. Serviços novos, criados na internet, teriam um impacto ainda maior no cotidiano das pessoas, tanto em aspectos econômicos quanto em políticos e comportamentais.
A revolução começou muito antes, nos anos 1980, com a computação pessoal e, mais tarde, com a internet. Mas foram as tecnologias que se popularizaram na última década que moldaram a sociedade atual. Imagine, por exemplo, um mundo sem Facebook, Twitter, YouTube, Wi-Fi, 3G, GPS, Skype, Android, tablets, notebooks, o próprio iTunes e até o Gmail. Poucos desses recursos existiam em 2003.
Em um famoso discurso feito em 2008 na feira de tecnologia Consumer Electronics Show (CES), Bill Gates capturou as mudanças que estavam ocorrendo no que ele chamou de a “primeira década digital” e disse que os próximos dez anos teriam um impacto ainda mais profundo.
“Desde que eu comecei a falar sobre a década digital em 2001, tem sido incrível a velocidade com que a tecnologia tem se tornado central na maneira como trabalhamos, aprendemos e brincamos”, disse o fundador da Microsoft pouco antes de deixar o comando da empresa. “Mas, em muitos aspectos, estamos apenas no início da transformação possibilitada pelo software. Na próxima década digital, a tecnologia vai tornar nossas vidas ainda mais ricas, conectadas, produtivas e completas, de formas profundas e animadoras. A segunda década digital será mais focada em conectar pessoas.”
Observando em retrospecto, o discurso de Gates estava certo. MySpace, Orkut, Facebook, Twitter, YouTube, Tumblr e outras redes sociais facilitaram a troca de informações entre as pessoas e criaram uma grande mídia social de massa, formada por indivíduos que publicam opiniões e compartilham e comentam links diariamente.
A tecnologia tem impactado todas as faixas etárias. A rede virou o reflexo da opinião pública. E hoje a maioria das discussões políticas – relacionadas à tecnologia ou não – passam pela web. Foi no ambiente online que grupos da Tunísia, do Egito, da Líbia e outros países do Oriente Médio trocavam informações durante os protestos da Primavera Árabe.
Propostas de leis e posturas de empresas envolvendo temas delicados da tecnologia (como privacidade, direito autoral e crimes digitais) são difundidos e criticados por movimentos que se organizam online. Wikileaks, os hackers-ativistas do Anonymous e partidos piratas hoje refletem muitas das discussões políticas envolvendo a internet e a tecnologia.
Em seu mais recente livro Future Perfect (Futuro Perfeito, em tradução livre, sem edição brasileira), o escritor Steven Johnson chama essa geração conectada de “peer progressive” (progressistas igualitários). Para ele, esse grupo é que tem encabeçado mudanças a partir da tecnologia para criar estruturas mais descentralizadas, tanto nas empresas quanto nos governos. “Sabemos que existe um mundo inteiro de problemas que podem ser melhorados pelas redes de indivíduos, digitais ou analógicos, inspirados pelos valores de participação, igualdade e diversidade. Este é o futuro que vale a pena almejar”, escreve ele no livro.
Nem todos concordam com esta visão otimista e criticam também os efeitos negativos da rede. Em seu livro Alone Together (Sozinhos Juntos, em tradução livre), a pesquisadora Sherry Turkle chama a atenção para o isolamento provocado pelas redes sociais e ansiedade com a sensação de que é preciso estar sempre conectado. Andrew Keen, outro autor crítico, também aponta controvérsias no discurso de que a tecnologia dá mais poder para as pessoas.
É possível que os dois polos (os que criticam e os que exaltam a tecnologia) tenham a sua razão. Em um artigo publicado em 2010 na revista The Next Digital Decade (A próxima década digital), o pesquisador Adam Thierer analisou o discurso desses dois lados e chegou à conclusão que os otimistas, em geral, têm um argumento melhor, mas as críticas levantadas pelos pessimistas devem ser levadas em conta.
“O crescimento da internet e das tecnologias digitais deram poder para as massas e também permitiram que todos pudessem falar ao mundo”, ele escreve em seu artigo. “É claro que isso não significa que todas as pessoas tenham algo interessante a dizer! Não deveríamos exaltar o conteúdo criado pelo usuário como algo bom. É a qualidade, não o volume, que conta. Mas tal poder deve ser comemorado, apesar dos pontos negativos. Abundância é melhor do que o velho mundo analógico com poucas escolhas e poucas vozes”, completa.
Fonte:O Estado de S.Paulo -Link