Geração hiperconectada: vício em internet procupa pais e especialistas
Brasil está no topo do ranking de tempo gasto na rede
BRASÍLIA E RIO – No mundo povoado por sete bilhões de pessoas, há seis bilhões de celulares. A conclusão dos especialistas é que a tecnologia chega em lugares em que não há nem água potável. Quanto mais rico um país, mais acesso aos “gadgets”. O termo tipicamente “nerd” significa novas geringonças tecnológicas. No Brasil, já existem mais celulares habilitados do que gente: 1,4 por pessoa. Com internet à mão, o país está no topo do ranking de tempo gasto na rede. A fartura de crédito — é possível comprar um computador em 12 suaves prestações — também contribui para o surgimento de uma geração viciada em internet: os hiperconectados. Este é o novo capítulo da série de reportagens, iniciada pelo GLOBO no domingo, sobre problemas de nações ricas que afligem o Brasil, um país emergente.
— A minha mãe não entende: eu não sou viciado em internet — reclama o estudante Lucas Honda, de 15 anos.
Morador de Brasília, o adolescente não se conforma com a proibição imposta pela mãe. Foi obrigado a ficar um fim de semana inteiro longe do iPhone. Ele já acorda conectado e ficou em recuperação “só” em duas matérias. Longe do seu xodó, tem de se contentar “apenas” com o iPad e o computador: onde também assiste a filmes e se diverte com os games.
Uso com limites é benéfico
Offline é um status que só usa quando está na sala de aula. O recreio de Lucas serve para atualizar os 500 amigos do Facebook sobre as novidades das últimas horas e checar o que acontece no universo do Twitter. Pelo celular ainda olha as fotos que os contatos botaram no Instagram e responde as mensagens que recebeu no Whatsapp: o aplicativo da moda que funciona como o “messenger” para telefones. Os torpedos não pesam na conta no fim do mês porque as mensagens são envidas pela internet. E ainda podem ser mandadas para uma lista específica de contatos.
O ritual da atualização se repete ao soar do sinal que encerra o dia na escola. Antes do almoço, as novidades são checadas de novo. À tarde, faz as tarefas enquanto fica “logado” nas redes.
— Eu sei me controlar porque sei a hora de fazer as minhas obrigações. Só a minha mãe acha que não sei.
A mãe do adolescente tem razão ao impor limites ao filho, segundo Cristiano Nabuco, professor da Universidade de São Paulo (USP), um dos maiores especialistas do assunto no Brasil.
No seu consultório, vivencia experiências dramáticas e não hesita em responder qual foi o pior caso que enfrentou. Conta que uma mãe desesperada levou um adolescente de 15 anos para se tratar após ter sido notificada pelo condomínio. Foi multada porque seu filho atirava cuecas sujas pela janela para não ter de “pausar” o videogame e ir ao banheiro. Entre os recordes que conseguiu, está jogar 45 horas interruptas.
— Quando fui tratar o garoto, ele virou para mim e disse que, se bobeasse, ganhava muito mais dinheiro jogando do que eu — contou Nabuco.
Pela internet, o adolescente vendia caro os pontos que conseguia no videogame. É obeso mórbido, filho de pais separados e a mãe dava pouca atenção ao filho. Ele abandonou o tratamento.
Nabuco explica que os adolescentes, mais até que as crianças, são a principal faixa da população vulnerável ao vício da conexão na rede por não ter cérebro fisiologicamente maduro e perder com facilidade a noção do tempo. Mas ressalta que o mundo hoje, mergulhado em tecnologia, acentua essa situação. Um dos exemplos é que muitos filhos ensinam aos pais os meandros das novas mídias. E esse é um fato que parece natural, mas é a inversão dos princípios da humanidade, diz Nabuco.
Entrar na internet funciona para quem tem o vício como álcool ou droga: traz paz momentânea. Alivia a depressão. Dribla fobias sociais. O professor explica ainda que, por isso, depressivos, tímidos patológicos e bipolares são mais propícios a se tornarem dependentes da rede.
Na escola de Lucas Honda, uma das turmas de primeiro ano recebeu tablets para um projeto-piloto: substituir os livros. Alguns colegas passam madrugadas conectados. Substituíram aquelas antigas e enormes conversas típicas de adolescentes por telefone por teclar. A conta do telefone barateou, mas agora alguns pais começam a gastar com psicólogos.
— É muito difícil se desconectar, mas no fim de semana o ideal é não responder e-mail nem trocar mensagens e dar mais atenção aos filhos — conclui o professor da USP.
Analice Gigliotti, psiquiatra e chefe do Setor de Dependências da Santa Casa da Misericórdia do Rio, afirma que este problema está crescendo em todo o mundo, mas tem um potencial maior no Brasil, onde a população tende a ser mais conectada que em outras nações. Para ela, a internet e as novidades tecnológicas, se usadas com cuidado, são até positivas para crianças, por estimular áreas do cérebro normalmente “esquecidas” na infância. Mas quando se tornam um problema?
— Para identificar se a pessoa está com problemas, os sintomas são deixar de fazer algo por causa da internet, reclamação de parentes e amigos, sentir a necessidade de estar conectado ou ansioso esperando o momento de estar on-line. Se isso ocorre, é necessário um tratamento — disse ela, por telefone, de Genebra, na Suíça, onde participa de um seminário sobre este tema.
Fonte:O Globo -Digial & Mídia