A partir de 1º de dezembro, a Lei nº 13.161, de 31 de agosto, que constitui medida do ajuste fiscal do governo federal, produzirá efeitos para, dentre outros, majorar as alíquotas da Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB) e, ainda, torná-la facultativa.
Apesar da louvável alteração em relação à possibilidade de o contribuinte optar entre a sistemática de cálculo da contribuição patronal anterior (incidente sobre a folha de salários – artigo 22, I e III, Lei nº 8.212, de 1991) e a nova (incidente sobre a receita bruta – Lei nº 12.546, de 2011), a Lei nº 13.161 não convalida a inconstitucionalidade das medidas de “desoneração da folha de salários” que, ao contrário da pretensa redução de carga tributária, implicaram recolhimento maior para um número significativo de contribuintes.
Como se sabe, para determinadas atividades econômicas, que possuem faturamento elevado e poucos empregados (por exemplo, empresas de consultoria ou tecnologia da informação), a substituição da base de cálculo da contribuição previdenciária pode implicar majoração desmedida do tributo, acarretando, em casos específicos, acréscimo de recolhimento de mais de 100% em relação à sistemática de cálculo anterior.
Não pode o legislador infraconstitucional instituir regime de contribuição não previsto na Constituição Federal.
Em sentido contrário, como amplamente divulgado pelo governo federal, as medidas integrantes do “Plano Brasil Maior”, relacionadas à noticiada “desoneração da folha de salários”, possuíam o objetivo central de reduzir a carga tributária incidente sobre a remuneração dos empregados e proteger a relação de emprego, ante a grave crise econômica que se avizinhava desde 2008. Tais motivos foram evidenciados, de forma clara, pela presidência da República, na Exposição de Motivos Interministerial, que antecedeu a MP nº 540, convertida na Lei nº 12.546, de 2011.
Desse modo, considerando as razões explicitadas pelo próprio legislador e que não podem se desprender da lei promulgada, é inegável que o acréscimo de recolhimento imposto, até o momento, a determinados contribuintes contraria as metas e os objetivos governamentais, assim como vilipendia o espírito legislativo consubstanciado no texto legal (mens legis).
É claro que a oneração das empresas abrangidas pela Lei nº 12.546, de 2011, não coaduna com os motivos determinantes que precederam tal diploma legal, os quais, por força do artigo 5º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, não podem ser desconsiderados na aplicação da lei: “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Ora, se a medida governamental tinha o escopo de desonerar o contribuinte, em nome da boa fé objetiva – que deve ser observada, principalmente, pelo poder público (artigo 37, caput, Constituição Federal de 1988) -, deveria ter sido possibilitado àquele, desde sempre, optar entre as duas sistemáticas de recolhimento, de forma a evitar que lhe fossem provocados prejuízos.
Nesse tocante, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, recentemente, em acórdão publicado em 15 de setembro de 2014, cujo voto condutor foi de lavra da desembargadora Maria de Fátima Freitas Labarrère, manifestou que a majoração da carga tributária provocada pela Lei nº 12.546, de 2011, contraria o objetivo do próprio legislador e que, por isso, não pode ser mantida.
Com efeito, ainda é relevante – e a Lei nº 13.161, deste ano, apenas corrobora – a discussão da (in)constitucionalidade da oneração da carga tributária dos contribuintes que foram prejudicados pela substituição da base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, durante o período em que esta se manteve obrigatória.
De outro ângulo, deve ser questionada, também, a inconstitucionalidade da incidência sui generis da contribuição previdenciária, simultaneamente, sobre a receita bruta e a folha de salários (artigo 9º, parágrafo 1º, Lei nº 12.546, de 2011), a chamada “contribuição mista”.
Apesar de o parágrafo 13 do artigo 195 da Constituição Federal autorizar a substituição parcial da base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, o legislador constituinte determinou que a lei definisse os setores de atividade econômica que sofreriam tal alteração, o que não foi observado pela Lei nº 12.546, de 2011, que permite a substituição total e parcial para contribuintes integrantes da mesma categoria econômica.
Não pode o legislador infraconstitucional instituir regime de contribuição (parcial e total) não previsto na Carta Magna, assim como perpetrar tratamento desigual a contribuintes em mesma situação jurídica e, além disso, instituir benefício não uniforme para empresas que são concorrentes naturais no mercado.
Portanto, a Lei nº 12.546, de 2011, além da inconstitucional oneração da carga tributária de determinadas empresas, gerou duas situações distintas para contribuintes integrantes do mesmo setor de atividade econômica, o que, outrossim, acarreta inconstitucionalidade por violação às disposições literais do parágrafo 13 do artigo 195 da Carta Magna, assim como ao princípio da isonomia tributária (artigo 150, II, Constituição Federal de 1988).
Fonte: Thomas Marcos Franco Alves Rocha é advogado do Grupo Tangará Foods, especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários(Ibet) e membro de Instituto Mineiro de Direito Tributário (IMDT).