POLÍTICA DE RADIODIFUSÃO
Por Vilson Vieira Jr. em 13/12/2011 na edição 672
O modelo atual de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviços de radiodifusão (rádio e TV) no Brasil foi abordado por dezenas de leis e decretos e tem precedência em dois decretos-leis publicados nos primórdios do governo de Getúlio Vargas. Em 1931, o Decreto-Lei nº 20.047 determinava que os serviços de radiodifusão fossem de interesse nacional e, assim, era função exclusiva do Poder Executivo Federal regulamentar, autorizar e permitir seu funcionamento, que deveria levar informação, cultura e educação à sociedade.
Em 1932, surge o Decreto-Lei nº. 21.111, que passou a regulamentar especificamente o serviço de radiodifusão no Brasil (o então chamado Serviço de Rádio Comunicação), juntamente ao decreto anterior. A partir dele, definiram-se os primeiros procedimentos e regras para outorgas de rádio e até 1962 os dois decretos (20.047 e 21.111) regulamentaram a radiodifusão brasileira referente às autorizações para exploração do serviço.
Um caos regulatório se seguiu aos dois decretos-leis, com novas regras que modificaram uma legislação já fragmentada, até que o governo federal, em 1953, enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que abrigasse a telefonia e os serviços de radiodifusão em uma só legislação, ou seja, num código para as telecomunicações. Após nove anos de debates, foi promulgada, em 1962, o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) – , lei nº 4.117, que reforçava alguns princípios importantes de leis anteriores, como os de interesse público e o de bem público para os serviços de radiodifusão e o espectro de radiofrequência (espaço onde são transmitidos os sinais das emissoras de rádio e televisão), respectivamente.
Obrigações legais da renovação da outorga
De acordo com o CBT, os serviços de radiodifusão são considerados de interesse público e o espectro de radiofrequência é visto como um bem público, limitado e natural, o que garantiria ao Estado (no âmbito do Poder Executivo Federal) organizar a radiodifusão, além de gerir e conceder as outorgas de acordo com os interesses que ele julgava serem do Brasil. O CBT confirmou regras centralizadoras no âmbito do poder executivo na questão das outorgas e renovação de outorgas de emissoras de rádio e TV.
Os decretos de número 52.026 e, posteriormente, o de 52.795, ambos de 1963, regulamentam os serviços de radiodifusão e confirmam alguns itens já validados pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, como a competência exclusiva da União em dispor sobre a radiodifusão, a finalidade educativa e cultural dos serviços outorgados, ainda que em caráter comercial; os aptos a explorar os serviços de rádio e televisão; a outorga de radiodifusão por meio de concessão ou permissão; e os prazos de funcionamento das outorgas (10 anos para os serviços de radiodifusão sonora – rádio – e 15 anos para os de radiodifusão de sons e imagens – televisão), entre outros. No entanto, novos decretos foram publicados e promoveram diversas alterações no decreto-lei 52.795, a exemplo dos decretos de número 1.720, de 1995, e 2.108, de 1996.
Já no período da ditadura militar, surge o Decreto-Lei nº 236, de 1967, que promoveu alterações no âmbito da radiodifusão, concentrou ainda mais a função de deliberar sobre as outorgas nas mãos do poder executivo federal. Além disso, o decreto-lei inseriu artigos ao CBT que reforçam o caráter nacional da radiodifusão e ratificam a não-execução dos serviços de rádio e televisão por estrangeiros e por pessoas jurídicas; determinam condições econômicas e financeiras às entidades interessadas em explorar o serviço; estabelecem limites nacionais, regionais e locais de propriedade às entidades para permitir a concessão de serviços de radiodifusão; e condicionam a renovação da outorga de radiodifusão ao cumprimento de critérios educativos e culturais e outras obrigações legais, entre outros artigos.
Parlamentares legislam em causa própria
Após tantas leis e decretos que praticamente se repetem, um dos momentos na história da legislação sobre as concessões de rádio e TV no Brasil que proporcionou algumas mudanças importantes, porém nada radicais para o sistema de comunicação em vigor, foi a Constituição Federal de 1988, a partir do Capítulo V, dedicado à Comunicação Social. Além de confirmar responsabilidades educativas e culturais aos meios de comunicação e também a competência da União Federal nas decisões das outorgas e renovações de outorgas de radiodifusão, trouxe importantes mudanças no que se refere às concessões de radiodifusão.
A Constituição determinou que o Executivo dividisse a competência de deliberar sobre as outorgas e renovações de concessão, permissão e autorização com o Congresso Nacional, poder este que até então concentrava todas as decisões a respeito das outorgas de emissoras de rádio e televisão. O Poder Legislativo Federal ficaria a cargo de apreciar os atos de outorga e renovação de outorga de concessão vindos do Poder Executivo, assim como o de decidir a respeito da não renovação de uma concessão com o mínimo de dois quintos de quorum em votação nominal. Ou seja, o governo federal, a partir do que diz a Constituição, só pode outorgar e renovar concessões, permissões ou autorizações de serviços de radiodifusão com o veredicto do Congresso Nacional. A partir disso, criou-se uma expectativa de que o assunto, antes limitado aos muros do governo federal, estaria mais próximo da sociedade e mais suscetível ao debate. Ledo engano. O balcão de negócios apenas mudou de endereço.
Parlamentares controlam ilegalmente emissoras de rádio e TV, indo de encontro ao que diz a Constituição Federal, e ainda se aproveitam do poder que lhes foi concedido para manter seus interesses, o que, neste caso, significa aprovar e renovar suas próprias concessões de radiodifusão.
Dívidas bilionárias
Em 1997, entra em vigor a Lei nº. 9.472, conhecida como a Lei Geral das Telecomunicações (LGT), que marcou a privatização do setor de telecomunicações (telefonia) no Brasil. No âmbito da radiodifusão, a LGT dispõe sobre a destinação e o uso racional e econômico do espectro de radiofrequência, e ainda vincula a autorização para a exploração desse espaço às concessões ou permissões dos serviços de radiodifusão.
O capítulo da Comunicação Social ainda sofreu outras modificações relevantes no âmbito das concessões ou permissões de outorgas de radiodifusão, no que se refere à propriedade das empresas de rádio e televisão. A Emenda nº 36, de 2002, que altera o artigo 222 da Constituição, permite a participação de pessoas jurídicas (empresas) na propriedade de emissoras de radiodifusão e empresas jornalísticas.
Outra importante mudança refere-se à Lei nº 10.610, de 2002, que permite de maneira indireta e no máximo de 30% a participação estrangeira no capital das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora de sons e imagens, e ainda altera artigos do CBT e do Decreto-Lei nº 236 quanto à observação de critérios e requisitos para outorga e renovação de concessão e permissão para exploração dos serviços de radiodifusão. Essa foi uma importante conquista da grande mídia privada, a qual atravessou um período de crise financeira naquele ano. Os barões da comunicação brasileira recorreram, posteriormente, até mesmo ao governo federal para aliviar dívidas bilionárias de seus conglomerados midiáticos, a exemplo das Organizações Globo.
A saga das rádios comunitárias
Essa modalidade de radiodifusão foi reconhecida legalmente no Brasil há mais de dez anos, em 1998, com a Lei nº 9.612. Para muitas entidades da sociedade que representam esse segmento, no entanto, a legislação é excessivamente restritiva e punitiva, fora de sintonia com as demandas democráticas das comunidades locais; por isso, deve ser revista. E os motivos para tal avaliação negativa são fartos, como: as proibições de exibirem publicidade comercial na programação e de atuarem em rede, exceto em situação de calamidade pública, guerras, epidemias ou em transmissões obrigatórias dos poderes públicos; potência dos transmissores limitada a 25 watts e alcance de sinal que não pode ultrapassar o raio de 1 quilômetro, restrições estas que não contemplam comunidades em grandes centros urbanos.
Outro ponto que merece destaque por seu caráter retrógrado para a comunicação comunitária é o dispositivo da lei o qual diz que as emissoras comunitárias de rádio “operarão sem direito à proteção contra eventuais interferências causadas por emissoras de quaisquer Serviços de Telecomunicações e Radiodifusão regularmente instaladas”. E vai além! Caso haja interferências provocadas por rádios comunitárias em outros serviços de radiodifusão e de telecomunicações, mesmo que elas estejam funcionando de acordo com a lei, esta diz que “o Poder Concedente determinará a correção da operação e, se a interferência não for eliminada, no prazo estipulado, determinará a interrupção do serviço”.
Em 2011, o Ministério das Comunicações lançou o Plano Nacional de Outorgas (PNO) para as rádios comunitárias, em que a principal novidade é a publicação de um calendário com os Avisos de Habilitação que devem ocorrer ao longo do ano. O objetivo é preparar, com antecedência, as entidades interessadas em prestar o serviço para a entrega das inúmeras documentações exigidas pelo governo, que também fala em universalizar o serviço, levando-o a cidades onde ainda não existem rádios comunitárias.
Facilidades em pleitear uma outorga de um lado, restrições e punições na prestação do serviço de outro.
Novo regramento para o setor
Hoje, diante desse quadro de aparência quase imutável que se desenhou ao longo de décadas, entidades da sociedade civil organizada e movimentos sociais diversos concentram suas forças na construção de um novo marco regulatório, convergente, democrático e plural.
Após a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em 2009, a necessidade de uma nova legislação para as comunicações conquistou, finalmente, um espaço na agenda do governo federal e do Congresso Nacional. Tanto que, no apagar das luzes do governo Lula, começou a ser gestado na Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) um anteprojeto de lei com o propósito de revisar a legislação vigente. Tal missão, hoje, está com o Ministério das Comunicações, que ainda não tornou público o teor da proposta, mas promete lançar, em 2012, uma consulta pública sobre o assunto.
Mas enquanto o governo reluta em revelar à sociedade sua proposta de marco legal, diversas entidades que lutam pela democratização das comunicações organizaram, neste ano, a Plataforma para um Novo Marco Regulatório das Comunicações. O objetivo era colher propostas junto à sociedade, tendo como base os debates realizados durante a 1ª Confecom, sistematizados no seminário “Marco Regulatório – Propostas para uma Comunicação Democrática”, realizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), com a participação de outras entidades nacionais e regionais, realizado em maio deste ano.
O documento, com 20 pontos considerados fundamentais para democratizar as comunicações no Brasil, foi entregue ao ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, com o propósito de subsidiar a elaboração de um novo regramento para o setor. Enquanto o governo não decide se ainda quer viver no passado ou se almeja novos tempos para a comunicação brasileira, nos resta mobilizar mais segmentos da sociedade para ingressarem nessa luta, tão fundamental para o fortalecimento da nossa democracia.
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[Vilson Vieira Jr. é jornalista]
Fonte: Observatório da Imprensa – Interesse Público
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