Aceitar que o acesso à internet de baixa qualidade seja o único oferecido para quem possa pagar menos trará um impacto profundo na conectividade
No ano passado, países adotaram por unanimidade na ONU a primeira resolução sobre direitos humanos e internet. O texto é direto: “Os mesmos direitos que as pessoas têm fora da internet devem ser protegidos dentro dela, em particular a liberdade de expressão”. Se a formulação é clara, sua implementação na prática é um desafio permanente.
Se liberdade de expressão e privacidade são reconhecidos faz tempo como direitos humanos fundamentais, qualquer proposta de regulação para a internet deve sempre levar em conta a necessidade primordial de promovê-los. No entanto, por todo o mundo, leis inconsistentes abrem espaço para iniciativas que terminam por violá-los.
O Brasil tem tido um papel de liderança nesse tema. Na abertura da Assembleia Geral da ONU em setembro, a presidenta brasileira, reagindo às revelações sobre a espionagem norte-americana, listou com precisão pontos fundamentais que deveriam nortear qualquer debate sobre como regular a internet. Em primeiro lugar, ela mencionou a importância de garantir a liberdade de expressão e a privacidade.
Neste momento, o Congresso Nacional brasileiro debate a adoção do projeto de Marco Civil da Internet. O projeto de lei, já pela sua elaboração participativa, vinha sendo usado no mundo como um exemplo interessante de regulação da internet. Se algumas qualidades fundamentais do texto original forem mantidas pelos congressistas, o Brasil poderá oferecer ao mundo uma referência. Mas se tais qualidades forem perdidas, a regulação poderá ser ineficaz ou até danosa.
Garantir a neutralidade da rede significa que toda medida que regule o tráfego e o acesso de informações on-line seja ancorada pelos princípios fundamentais da igualdade e não discriminação.
Assegurar à população, sem discriminação, acesso seguro e de qualidade às novas tecnologias de comunicação é elementar para a consolidação da democracia. Num país marcado por desigualdades econômicas como o Brasil, aceitar que o acesso de baixa qualidade seja o único oferecido para quem possa pagar menos trará um impacto profundo na conectividade de uma vasta parcela da população.
Garantias como os dispositivos que determinam que provedores de serviços na internet só poderão ser responsabilizados por não cumprir uma ordem judicial que os obrigue a remover ou bloquear o acesso a conteúdo de terceiros são também importantes para evitar que se crie um ambiente jurídico hostil à livre circulação de ideias. Nesse sentido, preocupam sugestões recentes para incluir exceções nos casos de violação aos direitos autorais.
O projeto de lei original reafirma a proteção da privacidade, sendo a identificação de dados de comunicação somente aceitável com autorização judicial para casos específicos. No entanto, a proposição obrigando a armazenagem de dados da comunicação em território nacional parece ser tecnicamente inócua.
Sem exageros, promover o livre e seguro acesso à internet é hoje uma das chaves para a consolidação da vida democrática. Assim que é preciso olhar com atenção para qualquer regulação que desconheça o papel crucial da proteção da liberdade. Os debates no Brasil interessam ao mundo, e muito.
FRANK LARUE, 58, é relator especial da ONU para o direito à liberdade de expressão e opinião
Fonte: Folha de São Paulo -Opinião