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Próxima atração: BOLSA ARTISTA

Aprovado sem alarde pelo Senado em agosto, programa que prevê pagamento de benefício mensal a criadores escolhidos por uma comissão está prestes a ser votado pela Câmara

Sem equacionar os problemas orçamentários de uma cultura em xeque, o Congresso Nacional está prestes a assinar um cheque em branco para o governo federal bancar criadores artísticos profissionais e amadores.

Passada a eleição, entrará na pauta de votação da Câmara dos Deputados, em novembro, o programa Bolsa Artista.

Com valor de remuneração a ser regulamentado e previsão de desembolso mensal por até um ano, os beneficiados pelo Bolsa Artista serão escolhidos por uma comissão, sem composição clara, com integrantes indicados pela União e pela comunidade artística.

De acordo com o projeto, já aprovado no Senado, o programa Bolsa Artista é “destinado a proporcionar formação e aprimoramento de artistas amadores e profissionais” e “garantirá benefício financeiro conforme critérios e valores a serem fixados em regulamento”, no campo das “artes literárias, musicais, cênicas, visuais e audiovisuais, em suas variedades eruditas e populares”.

O senador Inácio Arruda (PCdoBCE), na proposição que originou o Bolsa Artista, lista como princípios do programa a “valorização da diversidade”, a “ênfase no pluralismo de ideias” e a “prioridade para o desenvolvimento das habilidades dos artistas, e não para projetos culturais específicos”.

O senador limita-se a dizer que “a seleção dos artistas a serem agraciados ficará a cargo de uma comissão cuja composição será definida em regulamento”, com a participação de representantes do governo federal e de “entidades vinculadas à comunidade artística nacional”. Os escolhidos podem ser amadores ou profissionais, bastando ter idade mínima de 14 anos e não serem beneficiários de qualquer outra iniciativa governamental de concessão de auxílio financeiro associado à formação cultural ou esportiva.

O Bolsa Artista foi aprovado pelo Senado, sem alarde, em agosto, e entrará agora na pauta de votação da Câmara.

Nas duas casas, o projeto tramita em caráter terminativo. Ou seja, quando comissões técnicas, no caso a de Educação, Cultura e Esporte, com três dezenas de parlamentares, aprovam projetos sem necessidade de que sejam votados pela totalidade dos integrantes no plenário. Como o Bolsa Artista já passou no Senado, se aprovado na Câmara, vai à sanção da presidente Dilma Rousseff, que tem o poder de vetá-lo.

CLASSE DIVIDIDA

O presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro, Eduardo Barata, esteve recentemente em reunião com a ministra Marta Suplicy, discutindo financiamento cultural, em especial o Procultura, projeto no Congresso para substituir a Lei Rouanet, que disciplina a concessão de incentivos fiscais para as artes. Barata apresentou a Marta, semana passada em Brasília, a posição do setor teatral, para o qual seria melhor corrigir distorções da Lei Rouanet, sem que ela fosse simplesmente substituída pelo projeto em discussão no Congresso. Ao ser informado do Bolsa Artista, da forma como foi aprovado pelos senadores, Barata foi crítico:

— Acho um descalabro. É uma maneira pouco republicana de ver as coisas. Ao deixar para regulamentar os detalhes depois, permite que se faça tudo.

A artista plástica Kátia de Marco, presidente da Associação Brasileira de Gestão Cultural, da Universidade Candido Mendes, vê um caráter “holístico” no programa:

— A produção cultural tem de ser integrada. Há a necessidade da formação da audiência e da formação do artista. É uma medida complementar à discussão dos incentivos para formação da audiência. Acho uma medida positiva, sim. Cabe ao governo desenhar políticas públicas nesses dois sentidos.

Às vésperas de sua demissão, a então ministra da Cultura, Ana de Hollanda, escreveu uma carta ao Ministério do Planejamento expondo as dificuldades orçamentárias de seu setor. Dizia que “as instituições culturais estavam em risco” por falta de recursos. A carta de Ana foi entregue em agosto e, no mês seguinte, a presidente Dilma Rousseff decidiu substituí-la pela senadora Marta Suplicy (PT-SP), em meio a uma ruidosa negociação para que se empenhasse na campanha do petista Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo.

Marta assumiu o ministério com a missão de usar seu bom relacionamento com líderes no Congresso Nacional para desemperrar projetos tidos como prioritários para o setor cultural. Entre eles estão a aprovação do Vale Cultura (benefício de R$ 50 para gastos culturais a ser pago a quem ganha até cinco salários mínimos) e a reforma da Lei Rouanet por meio do Procultura, com objetivo forçar patrocinadores a aumentar sua contrapartida à renúncia fiscal da qual se beneficiam.

Na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), encontrou- se com Marta e prometeu colocar em votação o Vale Cultura neste ano, o que permitiria sua apreciação no Senado ano que vem. “Vai ser muito bom contar com o Vale Cultura na Copa. É o momento do Brasil, da Cultura e de a gente se expor”, disse Marta, após o encontro com Maia.

O problema hoje do Vale Cultura é seu custo de financiamento.

O antropólogo Frederico Barbosa, coordenador da área de Políticas Culturais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), elaborou um estudo sobre o financiamento público da cultura, publicado no último Boletim de Políticas Sociais do órgão, vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Barbosa diz não ter opinião formada sobre o Bolsa Artista, por desconhecer detalhes, mas acha a ideia “interessante”.

No seu estudo, ele demonstra que os gastos globais no financiamento do setor cultural têm aumentado. Em 1995, o orçamento do Ministério da Cultura era responsável por 92% dos recursos da área. Em 2010, 53,5% dos recursos vinham de incentivos fiscais, demonstrando mudança de padrão da origem do dinheiro.

Naquele ano, o orçamento do ministério atingiu 1,427 bilhão.

O problema é que apenas cerca de R$ 100 milhões, o equivalente a 8,9% do dinheiro que as empresas colocaram no setor cultural, eram recursos próprios delas; 91,1% vinham de incentivos fiscais, ou seja, gastos públicos indiretos, porque foram impostos que deixaram de ser arrecadados. Essa é a equação em discussão no Congresso no Procultura: qual a medida dos incentivos, como regulá-los e a quem beneficiar.

DEZ PROJETOS PRIORITÁRIOS

No caso do Vale Cultura, o projeto original estabelecia que seria fornecido somente ao trabalhador que recebe até cinco salários mínimos. Uma emenda na Câmara incluiu aposentados, servidores públicos federais e estagiários entre os beneficiários, tornando o custo insustentável, na visão do governo. O ministério estabeleceu teto de R$ 2,5 bilhões nos gastos do Vale Cultura.

Nos cálculos do antropólogo Frederico Barbosa, esses recursos permitiriam o acesso ao benefício por 4 milhões de trabalhadores, mas seriam elegíveis ao sistema quase 18 milhões de empregados formais que estão na faixa de renda determinada pela lei. Outros 30 milhões de aposentados também teriam direito ao Vale Cultura, se mantida a lei como está, o que a tornaria inaplicável, pois o custo passaria de R$ 18 bilhões, só nessa categoria.

Em termos comparativos, o governo gastou, em 2011, R$ 17 bilhões com o Bolsa Família, beneficiando 13,4 milhões de famílias. Todos os gastos da chamada área social somam, por ano, R$ 640 bilhões. Como retirar aposentados, servidores e estagiários do projeto de lei em período eleitoral era tido como medida impopular, a votação foi postergada.

O Bolsa Artista foi uma iniciativa que cresceu no Congresso, após ser abraçada pela chamada Frente Parlamentar da Cultura. Está entre uma dezena de projetos que os parlamentares se comprometeram a votar, assim como o Vale Cultura e o Procultura. Da forma como foi aprovado, o projeto não tem nem sequer uma estimativa de custo. Diz apenas:

“As despesas decorrentes decorrerão à conta dos recursos orçamentários da União.”

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