O jornalismo da imprensa subsidiada pelo governo não é livre
Não se trata de censura à imprensa, mas de garantir uma imprensa de boa qualidade e empresas de comunicação sólidas e eficientes — é o que nos diz a recomendação aprovada no último congresso do PT.
Nenhum dos dois objetivos pode ser alcançado pela legislação, muito menos pela ação do governo, sob qualquer forma que esta se manifeste.
O debate é antigo e já tem resposta: a lei deve garantir que a imprensa seja livre. A qualidade depende da sociedade e — me perdoem o palavrão — do mercado.
Considerem, por exemplo, a imprensa chapabranca, aquela que vive do dinheiro do governo, transferido via publicidade ou benefícios fiscais. O jornalismo que sai daí obviamente não é livre.
Do mesmo modo, as empresas que o veiculam não têm consistência econômica — pois não sobrevivem fora das verbas públicas, cuja doação depende dos governantes de plantão — e, assim, também não podem ser independentes e isentas.
É engraçado: a imprensa chapabranca produz jornalismo marrom — que privilegia uma determinada visão dos fatos, aquela sustentada pelo seu patrocinador.
Além do governo, o patrocinador pode ser um partido, um político ou uma igreja, conforme se vê na experiência brasileira dos últimos tempos. O que há de comum entre todos é a vinculação com alguma instância de governo, municipal, estadual e/ou federal.
O que distingue essa imprensa daquela livre e independente é o público e, de novo, o mercado. Jornalismo é caro. Por isso, produzir e veicular notícias tem que ser encarado como um negócio e uma missão.
Um negócio porque a liberdade e a independência da empresa de comunicação dependem da rentabilidade no mercado privado — e não no mundo das verbas oficiais. É preciso ganhar dinheiro para gastá-lo com as reportagens.
Ora, por que gastar com reportagens (notícias, informação, opinião) e não, digamos, com salsichas? Comida dá mais lucro. Eis por que o jornalismo, o empreendimento, requer algo mais do que o objetivo de ganhar dinheiro.
Mal comparando, como ouvi certa vez: é como no casamento, não pode ser só por dinheiro, precisa ter um pouco de amor.
Parece um pouco antigo e meio demagógico, mas jornalistas têm apreço por uma notícia bem apurada e publicada com destaque. Por isso, são jornalistas e não advogados, com todo o respeito. É importante que esse espírito seja também o dos acionistas e executivos de uma empresa jornalística.
Um executivo sem essa compreensão jamais autorizaria a despesa enorme para mandar um repórter ao centro de um evento (uma guerra, por exemplo) e veicular 40 centímetros ou dois minutos de matéria.
Mas continua sendo caro, inclusive — perdoem o parti pris — para remunerar bons jornalistas. E precisa ser financiado por anunciantes no maior número e na mais ampla variedade possível.
Claro que pode ter publicidade de governo e de estatais, especialmente das que estão no mercado. Mas assim como não se pode depender do governo, também não se pode ter a receita concentrada em uma empresa ou um setor da economia privada.
E, lógico, precisa ter público consumidor, os leitores, ouvintes e telespectadores, que pagam de algum modo pelas informações.
Eis a receita, portanto: empresas atuando no mercado privado e livre da publicidade e o sentido do jornalismo livre e independente. E isso para um público com liberdade para escolher seu jornal, sua rádio, sua tevê, seu site.
É isso que a lei deve garantir: a liberdade em todo o processo. Quanto à qualidade, de novo, vai depender da sociedade.
O público sabe escolher os veículos que mais lhe dizem respeito. O mercado brasileiro oferece ampla variedade de escolha,
Não há aqui, portanto, problema que exija uma legislação nova para supostamente corrigi-lo. Os direitos de pessoas ou instituições de algum modo atingidos pelo noticiário são amplamente protegidos pelas leis atuais. O governante acha que foi ofendido ou vítima?
Sem problema, aos tribunais. Mas há problema, sim, no uso de dinheiro público para financiar a imprensa chapa-branca e o jornalismo marrom. E esta é uma prática abusada: governantes de todos os partidos têm recorrido cada vez mais a esse recurso.
Podem reparar a quantidade de propaganda oficial que não anuncia nenhum produto nem campanhas (de vacinação, por exemplo). Apenas dizem que tal governo é uma beleza e que vai tudo bem por aqui.
Há problema, também, na transferência de recursos de uma igreja, qualquer uma, para suas emissoras.
Pode parecer que não, mas reparem: igrejas são isentas de impostos, de modo que caracteriza o uso indireto de dinheiro público.
Deixar isso de lado e pedir a regulamentação da outra imprensa é simplesmente querer que tudo se transforme numa imensa chapa-branca.