Da redação do finado tabloide “News of the World”, o foco do escândalo de grampos telefônicos passou para a Scotland Yard. Ontem, dois policiais do alto comando da Polícia Metropolitana de Londres e três ex-comandantes foram sabatinados por uma comissão parlamentar que investiga o caso — em especial as acusações de leniência e conivência da força com as práticas ilegais do jornal pertencente ao magnata de mídia Rupert Murdoch.
Há desde acusações de suborno de policiais para a obtenção de informações a alegações de que a corporação deliberadamente menosprezou a gravidade do caso em inquéritos anteriores. Policiais também são suspeitos de ceder a chantagens de funcionários do tabloide, após supostamente também terem telefones grampeados.
Paralelamente, a comissária assistente Sue Akers, que comanda o novo inquérito, sugeriu que o âmbito da investigação pode ser ampliado para além dos jornalistas do “News of the World” para incluir diretores. Segundo o jornal “Daily Telegraph”, um inquérito mais amplo poderia incluir o próprio Murdoch e Rebekah Brooks, a diretora- executiva da News International.
Uma outra comissão — de Cultura e Mídia, com integrantes dos dois partidos da coalizão governista mais a oposição trabalhista — já convocou, além de Murdoch, seu filho e braço-direito, James, e Rebekah Brooks para depor na próxima semana. Proposta pelo Partido Trabalhista, uma moção contra a aquisição pela empresa do controle acionário da BSkyB — a principal operadora de TV a cabo do Reino Unido — deverá ainda ser aprovada hoje pelo Parlamento. Mesmo que não tenha valor legal, espera-se que a medida ponha o governo do premier David Cameron sob pressão para bloquear a tentativa de aquisição, num valor de US$ 12,7 bilhões.
Entre os oficiais que depuseram ontem estavam Andy Hayman, que deixou a Scotland Yard em 2007, um ano depois de comandar as investigações sobre as primeiras denúncias de escuta ilegal, e Ian Blair, comissário-geral entre 2005 e 2008. Os depoimentos ocorreram em meio a novas revelações sobre a conduta policial no caso: o “New York Times” publicara uma reportagem alegando que cinco oficiais da Scotland Yard (não identificados) teriam tido seus celulares grampeados pelo “News of the World”. A interceptação teria revelado segredos comprometedores, como casos extraconjugais e fraudes nos pedidos de reembolso de despesas de trabalho (Hayman), bem como uso de milhas aéreas em viagens com o dinheiro do contribuinte por parte do ex-comissário assistente John Yates. Ficou no ar a sugestão de que o temor de ver os segredos expostos teria induzido o alto comando da polícia a não aprofundar as investigações.
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Na sessão de ontem, Hayman e Yates (ainda na ativa) negaram ter agido sob pressão das informações obtidas pelo “News of the World”. Os dois acusaram o jornal de não colaborar e de dificultar as investigações. No entanto, Hayman tem contra si os rumos de sua carreira ao sair da polícia em 2007: aceitou um emprego como colunista do “Times”, jornal de Murdoch.
— Sei que o fato (de trabalhar para a mesma empresa que investigou) poderá causar má impressão junto ao público, mas não aceito que minha integridade seja atacada — esbravejou. Yates tampouco se saiu muito melhor: o relator da comissão parlamentar, o deputado trabalhista Keith Vaz, ficou irritado com a insistência dele em apontar a falta de cooperação da News International, ao mesmo tempo em que admitiu ter analisado por apenas oito horas a documentação do caso em 2009, antes de decidir que não havia razão para a reabertura das investigações. Ainda mais porque Yates admitiu à comissão ser “altamente provável” a hipótese de que policiais receberam propina em troca de informações. A comissão concluiu que as evidências apresentadas por Yates não foram convincentes.
Já o ex-oficial Peter Clarke acusou a News International de deliberadamente atrapalhar as investigações, o que teria contribuído para que o primeiro inquérito, comandado por Hayman, terminasse em 2007 com a conclusão de que Clive Goodman, o então setorista para assuntos da realeza no “News of the World”, e Glenn Mulcaire, o detetive empregado pelo tabloide, teriam agido isoladamente no caso dos grampos.
O ex-premier Gordon Brown, que faz parte da lista, ontem pela primeira vez comentou diretamente as informações de que dados pessoais seus e de sua família teriam sido obtidos pelo “Sun” e pelo “Sunday Times”. À BBC, Brown disse ter chorado quando soube, em 2006, que o tabloide tinha detalhes sobre a doença de um de seus filhos, Fraser, que sofre de fibrose cística.
— Se eu, mesmo com toda a proteção à disposição do Gabinete ministerial, estive tão vulnerável a táticas inescrupulosas e ilegais, o que dizer do cidadão comum. É inacreditável que uma organização supostamente respeitável produza resultados usando criminosos — contou.
Instituição tenta recuperar imagem desde o caso Jean Charles
Assassinato de brasileiro, em 2005, abalou reputação da polícia londrina
LONDRES. Fundada no século XIX e considerada uma das polícias mais eficientes do mundo, a Scotland Yard está com seu prestígio abalado. As novas acusações de negligência e conivência nas investigações sobre o escândalo de grampos telefônicos do “News of the World” dificultam o trabalho de recuperação de imagem que os policiais vêm tendo junto à opinião pública britânica desde os eventos de 22 de julho de 2005. Na manhã daquele dia, agentes à paisana executaram com sete tiros na cabeça o mineiro Jean Charles de Menezes na estação de metrô de Stockwell, no sul de Londres, numa atrapalhada operação em que o brasileiro foi confundido com um suspeito de terrorismo.
Tão chocante quanto o erro foram as revelações feitas um mês depois de que a versão oficial dos fatos apresentada pela polícia continha sérias divergências em comparação à investigação da Comissão Independente de Queixas sobre a Polícia (IPCC). O órgão é acionado automaticamente em caso de mortes e ou ferimentos em operações policiais e, ao contrário do que anunciara a Scotland Yard, afirmou que Jean Charles não tentou fugir dos policiais: estava sentado num vagão quando foi executado.
Nenhum oficial ou agente da força foi punido.
As duas investigações da IPCC, inclusive a que levou em conta a conduta de oficiais na divulgação de informações sobre o caso, recomendaram apenas o enquadramento da Scotland Yard em leves medidas disciplinares, ainda que tenha criticado as falhas de comunicação.
Mas no inquérito final sobre o caso, o júri popular recusou-se a aceitar a hipótese de homicídio culposo apresentada pelo Ministério Público (e favorecida pela polícia), entregando um veredicto aberto que serviu como um alerta à força.
Ian Blair, comissário-geral da força e cuja renúncia tinha sido pedida por diversos setores da sociedade britânica desde o 22 de julho, acabaria deixando o cargo depois de ser criticado publicamente pelo prefeito Boris Johnson, que assumira naquele ano com uma tolerância bem menor com o oficial do que a apresentada por seu antecessor, Ken Livingstone.
Sob o comando do até então braço-direito de Blair, Paul Stephenson, a Scotland Yard achou que o pior tinha passado. Mas em abril de 2009 vieram as manifestações de protesto contra a reunião dos países do G-20 em Londres, quando um agente do batalhão de choque agrediu um vendedor de jornais, Ian Tomlinson, que sofreu uma hemorragia e morreu. Assim como no caso Jean Charles, a versão oficial dos fatos tentou ocultar os erros de procedimento da polícia, em especial o fato de Tomlinson ter sido agredido sem provocação.
O problema no caso dos grampos nao é apenas que muito mais gente, famosa ou não, foi afetada pelas praticas inescrupulosas do News of the World, mas sim a percepção de que a Scotland Yard não fez tudo o que deveria quando teve a chance de lidar com um problema que tambem envolveu a conduta para la de duvidosa de seus agentes, inclusive com a venda de segredos por parte de policiais encarregados da seguranca da familia real. (F.D)
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