A humanidade avançou demais nos campos científico e tecnológico, com rapidez ultrassônica nos últimos 20 anos, e, no entanto, centenas de milhões de pessoas, nos diversos continentes, continuam vivendo em padrões que se igualam aos das sociedades antigas, em que a fome, as doenças endêmicas e as guerras abalavam populações das cidades e dos campos.
Algumas situações concretas ilustram os resultados positivos e negativos da incorporação tecnológica ao trabalho:
1. O passageiro adquire um passe magnético, ingressa no ônibus, no metrô ou no trem, submete-o ao controle de um aparelho e realiza a sua viagem. No caso do avião, adquire o bilhete pela internet, baixa e imprime o cartão de embarque e se dirige ao portão, depois de enfrentar tão somente os malfadados e insuportáveis controles de segurança e de alfândega, estes os únicos operados por humanos, sabe-se lá se dotados de inteligência. Nos casos anteriores, suprimiram-se cobradores, recepcionistas, controladores;
2. O hóspede dirige-se à recepção do hotel, onde o funcionário já tem os seus dados armazenados na ficha preenchida quando da reserva pela internet, inclusive os do cartão de crédito. Recebe a chave magnetizada e tem acesso ao apartamento. No dia da saída, pela manhã, recebe um papel com indicativo de despesas e um formulário que assina e entrega na recepção, sem qualquer outro trâmite. Melhor para o cliente, pior para muitos que perderam seus empregos;
3. As indústrias, os bancos, as empresas prestadoras de serviços, todos cuidaram de automatizar suas funções, o que implica em desemprego estrutural, fenômeno que elimina o mercado de trabalho para uma grande parte da população ativa.
Esse o quadro em que estão mergulhados tanto os países desenvolvidos quanto os emergentes e os subdesenvolvidos. Como a tecnologia gera maior produção de bens, durante um bom tempo os países centrais e também os emergentes conseguiram, graças aos sistemas de distribuição de renda mediante programas de assistência e previdência social, equilibrar a balança desproporcional da medida de concentração de riqueza. O certo, porém, é que, aos pobres dá-se a pobreza, conceito de isonomia já condenado por Rui Barbosa e João Mangabeira.
O mundo cibernético continua tão desigual e injusto como nos tempos da exploração da borracha no Congo Belga, retratados pelo gênio de Mário Vargas Llosa no seu O sonho do celta, novo romance em que conta a história do cônsul inglês Roger Casement, as suas batalhas contra as crueldades praticadas pelas companhias concessionárias do rei Leopoldo II, torturando e matando os negros africanos aos milhares, ou da China das dinastias imperiais, arrasada pelas forças inglesas, japonesas e russas, como relatado com brilho pelo ex-chanceler norte-americano Henry Kissinger, em Sobre a China.
Por tudo isso é preciso compreender que os governos têm a missão de resolver essa equação entre tecnologia e exclusão social, porque se trata verdadeiramente de uma questão a ser solucionada, e não de um dilema incontornável. Basta vontade política e forte pressão popular para se achar um meio de preparar os mais fracos para a vida em sociedade, investindo pesadamente em educação, com a valorização dos professores e a exigência de boa formação, que não pode se resumir à compra de computadores para as escolas, a preparação dos trabalhadores para o emprego adequado das máquinas, a facilitação da aquisição da casa própria, a integração das populações interioranas e a atenuação do êxodo rural, e tantos outros meios de atuação governamental positiva.
Fonte:Correio Braziliense – Opinião