A importância da Lei de Acesso à Informação Pública pode ser medida pelos primeiros resultados por ela provocados e pelas resistências à sua aplicação que partem de setores notoriamente incomodados com um dispositivo essencial para assegurar a transparência na administração pública — principalmente na questão da farra dos altos salários. Dados impressionantes, até aqui mantidos na sombra por conta de argumentos discutíveis (proteção da privacidade, preservação da segurança dos funcionários públicos etc.), saltam das folhas de pagamento e das planilhas de execução orçamentária, numa sadia prestação de contas à sociedade garantida por um instituto que coloca o Brasil ao lado de países onde se procura salvaguardar o dinheiro público e direitos da cidadania.
Graças às garantias da lei, abrem-se para a sociedade informações que confirmam a existência de discrepâncias salariais nas três instâncias do poder público. Casos tornados públicos desde a aprovação da lei — como o pagamento de supersalários nas câmaras municipais do Rio e de São Paulo, em outras Casas do Legislativo e órgãos do Executivo e do Judiciário — escandalizam não por serem novidades, e muitos deles não o são, mas por darem a dimensão de uma farra em que se locupleta parte dos 9,4 milhões de servidores públicos (federais, estaduais e municipais).
Outros, ajudam a dimensionar a aplicação de políticas públicas com resultados e objetivos questionáveis. Caso da descoberta de que benefícios do Bolsa Família, menina dos olhos dos programas sociais do governo federal, em não poucos exemplos superam o teto estabelecido até o mês retrasado para os repasses (R$ 306 por mês). A obtenção desses dados foi assegurada ao GLOBO pela Lei da Acesso.
Deve-se avaliar, também, a força da lei pelas reações contrárias à saudável tentativa de jogar luz sobre as sombras dos abusos salariais. Não à toa, as maiores resistência partem do Judiciário, tradicionalmente refratário à transparência. É sintomático que nenhum dos tribunais regionais do país tenha atendido na íntegra a um pedido do jornal de divulgação da relação dos beneficiários de vencimentos acima dos R$ 100 mil — valor quase três vezes superior ao teto fixado para o pagamento de salários no serviço público.
Entende-se essa renitência pelo perfil salarial de alguns tribunais. Em setembro de 2011, um desembargador do TJ fluminense recebeu nada menos que R$ 638, 2 mil; em janeiro este ano, foram feitos, no mesmo tribunal, 23 pagamentos entre R$ 106 mil e R$ 123 mil, e um magistrado ganhou R$ 227 mil. Em Roraima, os sete desembargadores receberam entre abril e dezembro do ano passado entre R$ 86, 2 mil e R$ 160 mil por mês.
A farra se estende por praticamente todos os tribunais estaduais, e todos, em maior ou menor grau, antepõem obstáculos à divulgação dos números dos abusos — isso, apesar de tribunais superiores já terem decidido abrir suas folhas à luz da lei. Tal resistência só reforça a ideia de que o Judiciário, mais que os outros Poderes, encerra uma caixa-preta salarial cujo conteúdo precisa vir urgentemente a público.
Fonte:O Globo -Opinião