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A mudança que queremos ver?

Surgida na década de 1920 – e implantada no Brasil em 1950 –, a televisão abriu a possibilidade de uma mudança no processo de desenvolvimento das tecnologias e também da relação destas com a sociedade. Ao longo do tempo, esse meio de comunicação se impôs frente aos demais, sobretudo por seu aprimoramento tecnológico. Em território nacional, a Rede Globo de Televisão – a emissora mais assistida do país – vem participando ativamente desse processo de desenvolvimento, proporcionado aos telespectadores uma qualidade sem igual, demonstrando a sua capacidade de se adequar às demandas que o desenvolvimento das tecnologias impõe. Mas, será que é o suficiente? A pergunta surge, principalmente, por conta da exacerbada exibição de propaganda institucional dando conta da programação de 2013.

Tendo mais de 90% de presença na maior parte dos países da região [pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública – Ibope sobre consumo de mídia, penetração dos meios e investimentos publicitários em 13 países da América Latina. Disponível em: http://www4.ibope.com.br/ibope_media/2012/mediabook/pt/] (exceto na Guatemala, onde esse número é 85%), os canais do sistema aberto de televisão são os mais vistos na América Latina. No Chile, o número chega a 99%, na Argentina 95% e no Brasil representa 97%. Essa penetração que detém a TV, a força de atrair a atenção de uma quantidade expressiva da sociedade, faz desse meio de comunicação o que reúne mais possibilidades de exercer influências na construção da realidade dos sujeitos sociais.

Desrespeito às variedades regionais

Neste sentido, é importante salientar que, por seu potencial de reunir a maioria das famílias brasileiras em torno da sua programação, a Rede Globo de Televisão tem, evidentemente, a possibilidade de exercer uma maior influência no que concerne à formação da opinião destas a respeito de diversas questões que giram em torno da vida em sociedade, tais como política, economia, religião, esporte, entre outras. Não queremos aqui ser deterministas a ponto de afirmar que as concepções das pessoas acerca desses temas são formadas exclusivamente pelos conteúdos que recebem através da televisão. Não é este o nosso objetivo, posto que, ao mesmo tempo em que acreditamos ser todo discurso ideológico, temos também a convicção de que os sujeitos sociais estão expostos a outras influências que também corroboram na formação de suas concepções de mundo. No entanto, o fato de a TV estar presente na vida da maioria das pessoas, e no caso do Brasil a TV Globo ser a emissora mais acompanhada, queremos chamar a atenção para o papel que esta poderá exercer em sentido positivo ou negativo quanto à formação de sentidos.

Neste contexto, quando nos referimos à programação de 2013 da emissora, vale a pena questionar alguns pontos:

Por que a emissora insiste em ignorar a diversidade étnica em sua programação? É notório que a TV Globo não se esforça para colocar na grade âncoras que simbolizem a diversidade étnica do Brasil. Por que não vemos negros, indígenas e nem de descendência oriental – os chamados amarelos – apresentando qualquer programa, quando sabemos que no país existe essa variedade?

É notória, também, na Rede Globo, uma tendência a padronizar certos biótipos e sotaques, desrespeitando as variedades regionais brasileiras. Recentemente, um profissional da TV Santa Cruz, afiliada da TV Globo no Sul da Bahia, foi demitido por se recusar a abrir mão de uma matéria que fez em favor de um repórter mais “adequado” aos padrões da Rede. O profissional, que demonstrou solidez, dignidade e respeito por si próprio foi, sem nenhum pudor, substituído por outro cujo padrão era mais conveniente à emissora cabeça de rede. Por que a emissora não muda esse comportamento?

Contribuição indispensável

Esses são apenas alguns de tantos questionamentos que se pode fazer em relação ao comportamento da Rede Globo de Televisão, que demonstra, na sua programação, uma preferência por certos padrões que, direta e ou indiretamente contribuem para que a sociedade brasileira não se enxergue de modo mais realístico. A emissora insiste em retratar um Brasil que, infelizmente, corrobora com uma visão discriminatória, que despreza as diversidades e reforça muitos estereótipos.

Recentemente estava em um ônibus onde também se encontravam jovens turistas angolanos. E, em tom de sarcasmo, dois deles perguntavam, em tom bem alto: “Onde está o Brasil das novelas? Nelas não vemos ônibus, como este, cheio, sujo, com passageiros além do número permitido […]”. “Por que não vemos nas novelas tantos negros quanto estamos vendo aqui neste ônibus?” Curiosamente, em vez de concordar com os jovens, as pessoas ao redor os olhavam com desprezo, como se eles estivessem dizendo alguma mentira. Infelizmente as pessoas não conseguiam entrar no “espírito dos jovens” e, em vez de concordar com eles, lhes olhavam com ar de reprovação. Talvez por serem negros e africanos… Afinal, a forma como majoritariamente vemos negros, e especialmente africanos negros, não ajuda a que tenhamos uma visão deles enquanto sujeitos pensantes e críticos. De certa forma, a Rede Globo também contribui com esta forma de enxergá-los. Afinal, conformem assinala Thompson (2012, p. 269), “O processo de formação do self se torna mais e mais dependente do acesso às formas mediadas de comunicação […].”

Apresento esses questionamentos porque, assim como Morley (1996, p. 304) estou convencida da “capacidade que a televisão possui de mobilizar, ampliar, fortalecer e transformar as metáforas da vida diária” e, neste sentido, penso que devemos advogar por uma televisão mais plural. E já que a Rede Globo de Televisão está tão empenhada em propagar a sua programação 2013, deveria colocar na ordem do dia uma “mudança real”, não apenas no que se refere a cenários, mas, sobretudo, instituindo atitudes que possam contribuir para um Brasil mais diverso, mais democrático, posto que, ainda de acordo com Morley (1996, p. 121), “os programas comunicam algo mais que seus conteúdos explícitos (manifesto); contêm também mensagens latentes por implicação, suposição ou conotação”.

Conforme já ressaltamos anteriormente, não acreditamos na onipotência da televisão enquanto formadora das visões de mundo dos sujeitos, mas, por outro lado, não podemos subestimar a significativa contribuição dos meios de comunicação, em particular a TV, no concernente à maneira como vemos as representações do mundo. Desta forma, acreditamos que o respeito à diversidade, demonstrado de fato, através de atitudes concretas e visíveis, seria uma indispensável contribuição da Rede Globo.

Referências

MORLEY, David. Televisión, audiencias y estudios culturales. Buenos Aires: Aorrortu, 1996.

THOMPSON, J.ohn. B. A mídia e a modernidade. Uma teoria social da mídia. Tradução Wagner de Oliveira Brandão. São Paulo: Vozes, 2012.

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Verbena Córdula Almeida é doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madri, Espanha e professora adjunta do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) – Ilhéus, BA

Fonte:Observatório da Imprensa -Artigos

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