O Estado de S.Paulo – Opinião
Francisco Paes de Barros – O Estado de S.Paulo
18 Março 2015 | 02h 04
Muito pouco se tem feito para tirar a radiodifusão do anacronismo em que se encontra. É uma pena, pois, caso contrário, já se teria avançado substancialmente nas questões levantadas pelos atuais defensores da regulação da mídia. Fico com a impressão de que o governo, o Congresso e os concessionários das emissoras estão felizes com o status.
Não obstante o fato de a Constituição promulgada em 1988 ter sido a primeira na História do Brasil a dedicar um capítulo exclusivo à comunicação social (capítulo V, artigos 220 a 224), nossa radiodifusão permanece há 90 anos, no dia a dia, a mesma que serviu de instrumento de poder à ditadura Vargas e à ditadura militar. Com a democratização, ela padece de uma crise de identidade, agravada pela tentação de se manter como poder político em si mesma. Ao povo cabe ouvir e ver de maneira acrítica o que lhe é oferecido.
O rádio e a televisão estão presentes em mais de 90% dos domicílios brasileiros. E isso não significa, necessariamente, que os brasileiros sejam bem informados: a maioria deles não tem acesso a informação sobre assuntos de seu interesse e de sua comunidade.
Uma camada influente da sociedade sintoniza as emissoras de rádio e televisão de sua preferência. Existe estreita simbiose entre ouvinte/telespectador, anunciante e essas emissoras. O conteúdo de suas programações reflete o pensamento, os interesses e a realidade desse segmento da sociedade. Trata-se de uma importante conquista da democracia brasileira, que, no entanto, apesar dessa vitória, continua manquitola.
É preciso garantir a todos os brasileiros o mesmo direito à informação. Para a democracia, é bom que alguém fale aquilo que o pobre precisa e quer ouvir. É necessário que alguém defenda a causa do pobre e provoque seu senso crítico. Como disse o papa Francisco, “não é possível que a morte por enregelamento de um idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão.” (Evangelii Gaudium). Isso ajuda a salientar a urgente necessidade de democratizar a informação.
Nessa luta é fundamental o apoio da camada influente da sociedade comprometida com o bem comum de todos os brasileiros. A propósito, “a sociedade tem direito a uma informação fundada na verdade, na liberdade, na justiça e na solidariedade” (Catecismo da Igreja Católica).
A democratização da informação passa pela reforma da radiodifusão. A pluralidade das fontes de informação é uma exigência da democracia. O Brasil contará com várias grandes redes nacionais de televisão no dia em que tiver pequenas e competentes emissoras espalhadas pelo interior.
O meio rádio e o meio televisivo podem prestar um serviço valioso aos brasileiros, levando em conta uma ameaça perigosa segundo a qual a pessoa, a cada dia que passa, vai perdendo sua identidade e seu senso crítico. Os meios de comunicação, ao terem a diversidade entre suas características, surgem como veículos, como arma na luta em defesa dos anseios do povo de cada região e pela preservação da sua cultura e dos seus costumes.
Estou convencido de que a frustração da radiodifusão brasileira está no fato de ainda não ter conseguido realizar-se como meio de comunicação democrático. Há quem veja a radiodifusão na ótica do poder, e não na ótica do serviço ao povo.
Diante desse panorama, há que encontrar caminhos para garantir a todos o direito de falar e o direito de ouvir o que lhes interessa. É preciso realizar a reforma da radiodifusão com urgência, antes que os inimigos da democracia o façam à sua maneira ou deixem tudo como está.
Tenho pregado uma profunda reforma na radiodifusão brasileira. Hoje acrescento um capítulo novo à minha pregação. Estou convicto de que as emissoras de rádio e televisão públicas não devem ficar fora dessa possível reforma. Sem querer entrar no mérito da qualidade das programações das emissoras públicas – mesmo porque não é o caso -, o ideal seria que so eu conteúdo e os seus serviços fossem de interesse exclusivo das camadas carentes da sociedade.
Chama a atenção o caso das Rádios Cultura AM e FM, mantidas por uma fundação ligada ao governo do Estado de São Paulo. A Cultura FM fala para aproximadamente 9 mil ouvintes na Grande São Paulo (média de ouvintes por minuto), dos quais a maioria esmagadora é das classes A e B, público com mais de 60 anos. A mudança de público que sugiro estará em consonância com as medidas reformadoras da nossa radiodifusão. Mesmo que essa alteração não traga aumento do número de ouvintes, tenho a certeza de que o novo público, de baixo poder aquisitivo, estará muito mais necessitado da Rádio Cultura FM do que o ouvinte atual.
A ocasião é propícia para apresentar outra sugestão: com a migração do rádio AM para o FM – sistema em curso até 2016 ou 2017 com base em alterações técnicas asseguradas pelo governo federal no fim de 2013 -, muitas das frequências ficarão disponíveis. Sugiro que seja feita uma nova licitação de outorga para o seu preenchimento. Não entraria nessa licitação quem já fosse concessionário de rádio e televisão. E que fosse político. A programação dessas emissoras, obrigatoriamente, teria de entreter, informar, educar e prestar serviços aos carentes da sociedade.
Tenho a convicção de que as emissoras públicas, as comunitárias e as que vão operar nas frequências do AM desempenharão importante papel na democracia brasileira. Ao mesmo tempo, tornar-se-ão promotoras da globalização da solidariedade, dando conteúdo humano à democracia.
Como definiu o papa João Paulo II, “quanto mais globalizado se torna o mercado, tanto mais devemos equilibrá-lo com uma cultura de solidariedade que dê prioridade às necessidades dos mais vulneráveis” (Homilia para o Jubileu dos Trabalhadores, 2001).
*Francisco Paes de Barros é radialista