Uma das tarefas de um curso de Jornalismo é a de ensinar o aluno a ter uma relação honesta com a informação. Por um lado, a ciência da comunicação não pode pregar a existência de “verdades” que possam ser apreendidas pelo repórter. Virou clichê na profissão a afirmação de que a imparcialidade absoluta do jornalista é impossível: a própria escolha dos temas, o modo de abordá-los e a seleção dos entrevistados (entre centenas de outros pontos), tudo isso impede o jornalismo de ser “neutro”. Jornalismo, em grande medida, é hierarquização e interpretação – nada mais distante de uma objetividade fria.
No entanto, a discussão passa também pelo outro excesso possível. Se não há uma verdade universal e definida a ser apreendida, corre-se o risco do relativismo (toda abordagem se equivale) e pode-se cair no proselitismo. Este segundo perigo é grave e passa despercebido na maior parte dos debates. Há uma tendência em parte dos veículos (e dos professores) de comunicação a afirmar que o melhor a se fazer é, no mínimo, revelar ao leitor qual o ponto de vista de quem produz a notícia. Avisar o leitor de que somos humanos e “temos lado”. Nada contra. Mas não é a única opção.
A ideia aqui é de que, visto que a neutralidade completa é absurda e impossível, tentá-la só pode ser uma farsa – uma fraude contra a própria inteligência ou contra a boa-fé do leitor. O jornalismo que se diz neutro só pode ser tolo (na melhor das hipóteses) ou mentiroso (na pior). Não haveria salvação fora do texto abertamente opinativo ou que, pelo menos, exponha claramente a quem o leia (ou assista, ou ouça) qual a posição de seu autor. Mas isso deixa de lado a hipótese interessante de que podemos buscar um ponto de equilíbrio.
Em última instância, a neutralidade é impossível? Em última instância, responderia Paulo Francis, estaremos todos mortos. Enquanto estamos vivos, o melhor é buscar soluções. E, se não temos como capturar o incapturável, podemos claramente lutar para sermos fiéis àquilo que nos parece ser uma versão honesta dos fatos. A opção pela declaração contínua de nossas posições, embora justa, não é a única válida se quisermos jogar limpo com o público.
É possível dizer de maneira digna que, embora saibamos que não temos como ser máquinas inumanas, estamos fazendo o melhor que podemos para compreender os fatos de maneira ampla, tentando deixar de lado nossos preconceitos, tentando colocar nosso intelecto para trabalhar em favor de um jornalismo que conte versões intelectualmente honestas dos fatos, sem deturpá-los. O pior dos mundos seria desconfiar da razão e da nossa capacidade interpretativa a ponto de só crermos naquele que se diga militante.
Até porque, em muitas vezes, o discurso da militância serve muito mais para encobrir outra praga do jornalismo – o da deturpação dos fatos para que eles caibam em uma ideologia. Está na moda: desde que avisado de que essa é a linha do veículo, o leitor estaria autorizando repórteres, colunistas e blogueiros a buscar os argumentos mais torpes e enviesados para defender certas posições.
Eis uma tarefa interessante para o professor de Jornalismo de hoje. Enfrentar um mundo em que a “verdade” definitiva não existe sem incentivar os alunos a caírem no cinismo ou na irrelevância. Como em toda ciência social, no jornalismo temos também de reconhecer nossos limites de compreensão do mundo, sem nunca nos furtarmos de tentarmos chegar à realidade dos fatos e de expô-los de maneira honesta a quem nos lê.
Rogerio Galindo, graduado em Jornalismo pela UFPR e mestrando em Filosofia na mesma universidade, é repórter e colunista da Gazeta do Povo. Este texto integra série especial de artigos sobre os 50 anos do curso de Jornalismo da UFPR.
Fonte:Gazeta do Povo – Curitiba -Opinião