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Imprensa paz e amor

No primeiro dia útil de 2011, a chamada grande imprensa brasileira parece assumir o espírito fraterno que costuma marcar a passagem do ano. Ou, simplesmente, reflete o clima de boa vontade que a oposição e os analistas da política produzem na inauguração do mandato da presidente Dilma Rousseff.

A principal divergência entre o novo governo e a imprensa, até aqui, parece ser ortográfica: a imprensa prefere chamá-la de presidente Dilma, o governo adotou a expressão “presidenta Dilma”.


Alguns comentaristas observam, nas edições de segunda-feira (3/1) dos principais diários de circulação nacional, que o longo e convencional discurso de posse proferido no sábado (1/1) não deixou espaços para conflitos, como se as estratégias para a ação governamental partissem todas de um lugar comum. Mesmo as disputas por cargos entre os partidos da base aliada, que rugem nos bastidores, acabaram ocupando pouco espaço e mobilizando menos os jornalistas do que era de se esperar.


Na falta de assuntos mais palpitantes, ganha destaque em todos os jornais a figura da jovem ex-miss Marcela, 27 anos, esposa do vice-presidente Michel Temer, 70.


Sem polêmica


Discreta na medida que lhe permitem suas medidas, ela teve seu grande momento no alto da rampa do Planalto, mas soube circunvolar com elegância os atores principais sem roubar a cena.


Não passaram sem comentários a beleza da moça e a diferença de idade entre eles, mas nenhum articulista ultrapassou a linha do respeito. Afinal, se os jornalistas podem comprender quase todas as razões da política, o mesmo não se pode dizer sobre as razões do amor.


Depois de oito anos de relações turbulentas com um presidente que domina como poucos a arte da conversação e do debate, a imprensa brasileira parece pouco habituada a tempos de paz.


A mensagem da nova mandatária da nação cobriu um amplo espectro de idéias e desafios que, a rigor, caberiam no discurso de qualquer partido ou candidato. Ela não entrou em temas polêmicos nem conduziu os temas abordados a profundidades que pudessem suscitar controvérsias. Para alguns analistas, foi um longo desfile de platitudes.


Decisão importante


Pode ser, e provavelmente foi mesmo uma ducha de água fria planejada pela presidente e seus redatores, como prevenção contra manchetes desfavoráveis na inauguração do governo. Até mesmo a questão ambiental, que não havia frequentado as prioridades da ex-ministra Dilma Rousseff, ganhou destaque no discurso da presidente Dilma Rousseff, em meio a outras declarações que o senso comum pode aceitar sem dificuldades.


Na garimpagem por temas mais palpitantes, o Estado de S.Paulo vai buscar nos bastidores um pouco de movimento: “Dilma enfrenta crise entre PT e PMDB pelo segundo escalão”, diz a manchete de segunda-feira (3).


Registra-se, de fato, algum estresse entre os dois principais partidos da aliança governista, em disputa por cargos importantes no segundo escalão, e o jornal reproduz até mesmo um bate-boca entre o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e o líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves, mas anunciar uma crise no primeiro dia de governo pode ser uma aposta errada.


O Globo prefere chamar atenção para o processo de paz no Rio, destacando a afirmação do novo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de que a ação das autoridades no Complexo do Alemão deve ser usada como modelo para o resgate de comunidades dominadas pelo crime em todo o país.


Já a Folha de S.Paulo chama atenção para uma decisão importante da nova presidente em relação ao desafio da infraestrutura aeroportuária: “Dilma decide privatizar ampliação de aeroportos”, anuncia a manchete do jornal paulista.


Faltou pimenta


Para quem acompanhou as manchetes e os títulos principais no alto das páginas, durante os dois mandatos de Lula da Silva, este parece um novo país. No entanto, são os mesmo jornais de sempre e a nova presidente, que nesta semana aparece nas reportagens como o retrato do equilíbrio e do pragmatismo, é a mesma que foi apresentada pela imprensa, durante toda a campanha eleitoral, como uma espécie de fantoche do governante que deixa o poder.


Menos mal que os principais jornais sejam capaz de reciclar sua abordagem às questões do governo. Mas, para quem se diverte com a leitura da imprensa diária, um pouco de pimenta parece fazer falta no tempero do noticiário.

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