Terça-feira, 20 de Outubro de 2009, 23h00
Desde a escolha do padrão para a digitalização da televisão brasileira, há três anos, um dos principais desafios da mudança do sistema ainda não foi resolvido: a atualização da regulamentação do setor para que as regras estejam em compasso com a nova realidade. Essa pendência continua preocupando entidades envolvidas com o setor, como é o caso do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes). Em debate realizado nesta terça-feira, 20, na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, o coordenador do Intervozes, Bráulio Ribeiro, alertou que a falta de regulamentação pode gerar efeitos mais nocivos do que um simples descompasso com o mercado.
A iminente escolha de um padrão de digitalização para o rádio já preocupa as pequenas emissoras. Segundo Ribeiro, sem a atualização das regras, emissoras comunitárias de rádio correm o risco de serem obrigadas a parar de funcionar quando a migração for feita. Isso porque o efeito inicialmente positivo da digitalização, que permite a cobertura de áreas maiores com menos potência, aniquilaria as transmissões das comunitárias, que já trabalham com potências baixas. “Testes mostram que a transmissão das comunitárias pode se igualar ao ruído das grandes cidades”, alertou o representante do Intervozes.
A proposta da entidade para evitar este problema é que o Ministério das Comunicações altere os parâmetros utilizados para o funcionamento dessas rádios, retirando o limite de potência e se pautando pela área de abrangência da comunidade. Assim, essas rádios poderiam utilizar a potência necessária para cobrir a área da comunidade-alvo, mesmo que a transmissão seja em taxas mais altas do que o permitido atualmente.
Outra preocupação é com a transferência das emissoras de televisão do VHF para o UHF no processo de digitalização. As regras em vigor prevêem a existência de 10 canais em cada uma dessas modulações. E apenas a soma das emissoras comerciais e dos oito canais públicos criados pelo governo – entre eles os da cidadania, educação e cultura – já excederia o limite regulatório atual. “Desde o início nós alertamos que há uma inversão da discussão. Falta uma regulamentação que considere a entrada de novos players, a oferta de novos serviços e outras realidades que estão surgindo com a digitalização”.
Democratização
Além de solucionar problemas concretos, o debate sobre a regulamentação e, até mesmo, de uma atualização das leis em vigor tem como alvo maior uma democratização da comunicação. A bandeira levantada pelo Intervozes também foi empunhada pela deputada Luiza Erundina (PSB/SP) autora do requerimento de realização da audiência pública de hoje. Para a deputada, a legislação do setor está “obsoleta” e a discussão ainda não foi feita com a profundidade necessária. “Os avanços tem sido muito lentos, muito reticentes”, declarou, lembrando que a democratização dos meios é uma tendência mundial.
Na percepção de Bráulio Ribeiro, o país precisa tomar uma decisão sobre qual rumo pretende tomar nas comunicações a partir de agora. “A questão não é tecnológica; é política. E, na nossa visão, ele (o modelo adotado até o momento) está a serviço da manutenção do atual perfil de concentração da radiodifusão no país.”
Da parte da Anatel, a postura é proteger as emissoras de interferências que poderiam inviabilizar a transmissão de TV. Para isso, a agência fez opções fortemente técnicas como impedir a entrada de novas empresas durante os nove anos de transição do modelo analógico para o digital, conforme explicou o superintendente de Serviços de Comunicação de Massa da Anatel, Ara Apkar Minassian.
Consignação X concessão
Outra polêmica que ainda atiça o segmento de radiodifusão é a ação movida pelo Psol questionando a constitucionalidade do decreto nº 5820/2006, que implantou o sistema de televisão digital no Brasil. O assunto também foi discutido na audiência e o presidente do Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), Frederico Nogueira, aproveitou a ocasião para reforçar a defesa do decreto.
“Não há nenhum tipo de infração à lei por parte do decreto. Ele está totalmente de acordo com a legislação porque não se deu uma nova concessão, mas apenas um aditivo à concessão existente, uma consignação de um canal necessário para a transição”, argumentou Nogueira. A disputa judicial que está sendo travada no Supremo Tribunal Federal (STF) coloca em dúvida se a consignação de mais um canal, mesmo que para a transição, para as emissoras não fere o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) que determina que cada empresa só pode ter um canal em cada cidade.
Nogueira argumenta ainda que, como haverá um switch off em 2016, está configurado que, na verdade, a emissora detém a concessão plena dos dois canais. Mas, para o Intervozes, a devolução dos canais analógicos no fim da migração não é garantia de cumprimento da lei. “Este pode ser o maior problema do decreto porque ele faz toda a migração lastreado em cima de um serviço que vai deixar de existir”, analisa Bráulio Ribeiro, fazendo referência ao modelo analógico.
O assunto ainda está longe de ser pacificado. A Procuradoria Geral da República (PGR) já emitiu parecer apoiando as dúvidas levantadas pelo Psol de que seria necessária uma nova licitação para conceder novos canais às emissoras. Para a PGR, o decreto está permitindo às empresas explorarem um novo serviço sem a devida autorização do Congresso Nacional. O caso ainda não tem data para julgamento no STF. Mariana Mazza
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