O recente atentado contra a revista francesa Charlie Hebdo, em Paris, mobilizou grande parte do mundo em torno do tema “liberdade de expressão”, tão caro aos regimes democráticos e garantido em vários documentos desde o século XVIII. Uma das discussões paralelas propiciadas pela tragédia na França foi em torno de “será que vale tudo na expressão das opiniões ou existe algum limite ético ligado a outros direitos de outros grupos?”
Não é sobre isso que pretendo chamar a atenção do leitor e da leitora (embora mereça uma boa reflexão), mas sobre de que maneira a tragédia francesa pode ser utilizada para associar conceitos como “liberdade de expressão” e “regulação da mídia”.
Vejamos: o direito humano à liberdade de expressão está bastante ligado ao conceito de indivíduo – você, assim como eu, tem liberdade de expressar suas ideias. A Constituição Brasileira garante que: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. No entanto, neste exato momento, eu posso expressar uma ideia minha para um número maior de pessoas porque estou usando um veículo de comunicação social – um jornal. Assim, as pessoas que podem utilizar meios de comunicação social como jornais, revistas, canais de televisão, rádio tem a oportunidade de ampliar a expressão de suas ideias.
Rádios e TVs, diferentemente da denominada mídia impressa – jornais e revistas – são concessões públicas, ou seja: você e eu estamos autorizando a ocupação desses canais do espectro eletromagnético brasileiro por esses grupos. Esta cessão é gratuita, mas junto com essa possibilidade vem a responsabilidade: afinal, os meios de comunicação social contribuem para a educação das pessoas levando opiniões e informações 24 horas por dia, sete dias por semana.
Assim, “regular” esses meios de comunicação social passa a ser uma obrigação educativa, no sentido de fazê-los operar dentro de regras, por exemplo as que a Constituição preconiza: os meios de comunicação social não podem ser objeto de monopólio ou oligopólio; devem ter finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; devem promover a cultura nacional e regional e estimular a produção independente, entre outras indicações.
Todos os setores da sociedade funcionam a partir de regras e é preciso avançar naquelas que dizem respeito a esse setor tão importante que é a comunicação. No entanto, cada vez que se fala em “regulação da mídia”, parte dessa mídia passa a construir um discurso de “censura” ou “atentado à liberdade de expressão”, na tentativa de associar a regulação a uma ação autoritária e antidemocrática. A regulação não pode ser confundida com censura de conteúdos midiáticos ou restrição de direitos, mas, ao contrário, pretende ampliar os direitos à comunicação, redistribuindo o “capital midiático” e multiplicando as possibilidades das pessoas exercerem sua liberdade de expressão.
A regulação da grande mídia e também do campo público da comunicação pode contribuir para a universalização do acesso à comunicação pública, para a ampliação, fiscalização de modelos de financiamento de rádios e TVs comunitárias, o combate ao “coronelismo eletrônico”, a implementação do canal da cidadania que possibilitará o surgimento de mais de 112 mil TVs comunitárias, o estímulo a produções locais e regionais e sua distribuição, entre outros avanços.
O debate sobre o tema – já realizado em espaços como o Fórum Brasil de Comunicação Pública e a Conferência Nacional de Comunicação – precisa ser ampliado para a sociedade e esta ampliação é também uma função da mídia. Será que teremos um debate amplo sobre regulação dos meios pautado pelos meios de comunicação? Será que esta esfera educativa fará também parte deste esforço da “pátria educadora?”
Teresa Melo é doutora em Ciências da Comunicação pela USP, docente do Departamento de Ciências Humanas e Educação da UFSCar no campus Sorocaba.