A pulverização de recursos da ordem de R$ 7 bilhões por ano em subsídios para custear o Vale-Cultura é mais um exemplo do uso equivocado de dinheiro público na área cultural do país.
A título de promover a compra de “alimento para a alma”, segundo a pérola retórica da ministra Marta Suplicy, o Estado transfere recursos para a indústria do entretenimento, que se vale da mística “cultural” para enevoar o caráter mercadológico de seus bens.
Não que haja algo de errado em vender diversão e lazer cultural. Apenas não é a melhor política, num país com sérias limitações materiais, o Estado associar-se a esses empreendimentos -muitos deles bilionários e multinacionais- na figura de consumidor indireto.
Pela nova lei, trabalhadores contratados com carteira assinada na faixa de até cinco salários mínimos (R$ 3.390) poderão receber o Vale-Cultura de R$ 50 mensais. Desse valor, R$ 45 serão bancados pelo governo federal por meio de renúncia fiscal. A adesão das empresas não é obrigatória. Estima-se que serão beneficiados 10 milhões de assalariados.
É compreensível que as críticas à lei sejam escassas entre produtores culturais e beneficiados. O argumento fácil da “democratização da cultura” sempre pode ser esgrimido para justificar o espetáculo populista. Mas parece óbvio que essa não é a melhor estratégia para empregar tais verbas públicas.
Lembre-se que o orçamento do Ministério da Cultura, de cerca de R$ 2,2 bilhões, representa menos de um terço do que se pretende gastar com o vale. Além disso, o governo federal despendeu, desde 1992, R$ 9 bilhões em renúncia fiscal por meio da Lei Rouanet.
Dessa perspectiva, a injeção de novos recursos no setor é espantosa. Ocorre que tal montante seria mais proveitoso se aplicado às atividades de formação e àquelas com menor sustentação comercial.
Dificilmente o Vale-Cultura terá esse destino. O mais provável é que ele seja utilizado em atrações já consagradas, como blockbusters e livros de autoajuda. Nada contra o consumo desses produtos, mas eles já são objeto de leis de incentivo ou não precisam de ajuda para serem bem vendidos.
É impossível não notar o interesse eleitoral por trás desse “vale-refeição da alma”, que deve fortalecer o cacife de Marta Suplicy.
Aprovada às pressas, a nova lei ajuda a emaranhar normas que chamam o Estado a interferir no mercado cultural tanto na ponta da produção quanto na do consumo, sem conseguir com isso o fortalecimento sustentável do setor.
FONTE:Folha de São Paulo -Opinião