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Das imagens fantasmáticas aos telões de alta definição


A televisão brasileira completa 60 anos neste fim de semana e eu peço licença para celebrá-la como se a festa fosse minha. Afinal, não deixa de ser. Nascemos quase juntos e juntos vivemos essas seis décadas de sucesso, polêmica e evolução contínua, desde os modestos aparelhos em preto e branco com imagens fantasmáticas até os espetaculares telões de alta definição. Para um fanático telespectador da primeira geração como eu, essa não é uma efeméride qualquer. Ela comemora a pujança de uma tecnologia que, mais do que qualquer outra antes do computador pessoal, moldou o nosso tempo e definiu nosso estilo de vida.

A mais antiga imagem de televisão de que me lembro é o padrão de ajuste de câmeras da RCA Victor, que trazia elementos geométricos e o busto de um índio americano, com cocar de penas. Ele surgia na tela assim que entrava no ar a PRF-3 TV Tupi de São Paulo, primeira emissora do hemisfério sul do planeta, e ficava no ar por uma hora ou mais, enquanto as câmeras a válvula aqueciam e entravam lentamente em foco. Logo esse padrão foi adaptado por Mario Fanucchi, o primeiro diretor de arte, que já era gênio quando Hans Donner ainda tomava mamadeira na Áustria. Ele fez a alegria da garotada ao trocar o apache gringo por um simpático indiozinho tupi, em coerência com a postura “antropofágica” que a TV brasileira adotou desde o seu primeiro momento e mantém até hoje, quando, por exemplo, transforma o “Big Brother” holandês praticamente em telenovela e dá a ele a maior sobrevida entre seus similares de todo o mundo.

Depois que o indiozinho saía da tela, o que se via na televisão inicial dos anos 1950 era uma programação impensável atualmente: música de concerto, ópera, teatro clássico e de vanguarda, debate político. Tudo de acordo com os hábitos de seu público consumidor, a elite endinheirada que frequentava o Teatro Municipal e podia comprar televisores quase ao preço de automóvel popular de hoje. À medida que caíam os preços dos aparelhos e o público se ampliava, a TV se popularizava, com shows de auditório importados (“O Céu É o Limite”, “Esta É Sua Vida”) ou herdados do rádio (“Ary Barroso”, “Chacrinha”), telenovelas (ainda em dois ou três capítulos semanais), transmissões esportivas, programas de humor, seriados americanos (“Lassie”, “Rin-Tin-Tin”, “Papai Sabe Tudo”).

Largamente responsável pela popularização da TV foi a fábrica de eletrônicos Invictus, de Bernardo Kocubej, que lançou já em 1951 o primeiro televisor nacional. Na verdade, era quase uma caixa de madeira brasileira envolvendo componentes importados, mas, de qualquer forma, muito mais barata do que os aparelhos americanos. Foi a que meu pai, funcionário do Banco do Brasil, conseguiu comprar em 1954, para alegria da família e de nossos “televizinhos”. Em minha casa, como na de outros pioneiros afortunados com o televisor próprio, reuniam-se visitantes para compartilhar as maravilhas da telinha. Só nos livramos deles no fim daquela década, quando uma boa parte da classe média paulistana já tinha TV em casa.

O pioneirismo de Assis Chateaubriand, fundador da TV brasileira, e de Kocubej, criador do televisor nacional, foi de um arrojo impressionante, se considerarmos o Brasil de suas aventuras eletrônicas. Era um país pouco urbanizado, pouco eletrificado e com um mercado de consumo ainda circunscrito às capitais e cidades maiores. Condições altamente adversas para o sucesso da indústria televisiva, que depende de oferta de energia, de massas telespectadoras e de financiamento publicitário. Por isso mesmo, o crescimento da TV fomenta o desenvolvimento do país, tanto quanto se alimenta dele. Essa simbiose, que atravessa as décadas, começa lá atrás. O melhor símbolo disso talvez tenha sido Juscelino Kubitschek na TV em 1955, apresentando seu plano dos “50 anos em 5”, que inegavelmente alavancou o Brasil.

Graças a JK, aliás, a TV brasileira deu o salto tecnológico seguinte. Em 1960, foi introduzido o videoteipe, para registro das cerimônias de inauguração de Brasília e exibição no Rio e em São Paulo, as maiores cidades do país. Até então, a TV era apenas local, com raio máximo de alcance de 50 quilômetros, e era feita totalmente ao vivo, com os investimentos de produção literalmente “indo para o ar” cada vez que um programa era transmitido. O videoteipe muda tudo. Com ele, tornou-se possível gravar e editar os programas, duplicar as fitas e distribuí-las para outras estações. A um só tempo, melhorou o acabamento do produto e iniciou-se um comércio entre as emissoras que, mais tarde, resultaria nas redes nacionais de televisão.

Minhas lembranças mais nítidas do videoteipe são de 1962. Primeiro, foi o espanto de ver “Quém-Quém” e os numerosos personagens de Chico Anysio contracenando, graças ao recurso da edição de imagens, no “Chico Anysio Show”, líder de audiência e programa mais prestigiado da época. Depois, a ansiedade de assistir aos VTs dos jogos da Copa do Mundo, que chegavam do Chile de avião e iam ao ar dois dias depois das partidas. Bendito videoteipe, que nos permitiu ver Garrincha apavorando “joões” e Mauro levantando o caneco!

Tão significativo quanto o videoteipe para o sucesso da indústria televisiva foi o início da telenovela diária, em 1963 (“2-5499 Ocupado”, TV Excelsior, com Tarcísio Meira e Glória Menezes). Com um produto que ia ao ar de segunda a sábado, as emissoras lançavam vários títulos em horários diferentes e prendiam a atenção do público todos os dias, do início ao fim da noite. A telenovela estruturou a grade de programação e assegurou a fidelidade da audiência, oferecendo aos anunciantes uma massa enorme de olhos ávidos. A TV capitalizou-se e pôde se expandir, em ritmo cada vez mais acelerado.

Essa expansão foi fomentada pelo Estado. O regime militar instaurado em 1964 tinha a meta de integrar o território nacional e carecia de um instrumento de comunicação para convencer o povo das benesses do “Brasil potência” que pretendia construir. Com isso, a televisão em rede nacional tornou-se prioridade. A ditadura criou a Embratel e investiu maciçamente na infraestrutura de telecomunicações, implantando a rede básica de micro-ondas e interligando o país ao sistema internacional de satélites Intelsat.

Foi assim que, na noite de 20 de julho de 1969, eu e minha família pudemos assistir na chácara de Atibaia, cercados de novos televizinhos, à descida dos astronautas americanos na Lua. Ao mesmo tempo, a televisão chegava a outro corpo celeste e ao interior do Brasil. Começava a TV em rede nacional, que teria como seu maior elemento agregador e difusor o telejornal, que, desde o seu primeiro dia, é líder de audiência. “O ‘Jornal Nacional’ da Rede Globo, um serviço de notícias integrando o Brasil novo, inaugura-se neste momento: imagem e som de todo o país”, disse Hilton Gomes em 1º de setembro de 1969. “É o Brasil ao vivo aí na sua casa”, completou Cid Moreira, no primeiro “boa-noite” do “JN”.

A televisão em rede permitiu a mim e a outros “90 milhões em ação” acompanhar a nossa primeira Copa do Mundo ao vivo, em 1970. Ao vivo sim, mas não em cores, como muitos pósteros pensam, ao ver as imagens coloridas dos bailes que Pelé & Cia. ofereceram em gramados mexicanos. O mundial de futebol foi captado em cores, mas ainda transmitido em P&B no Brasil, já que a cor só iria chegar dois anos depois, com um espetáculo improvável: a abertura da Festa da Uva de Caxias do Sul. Festa da Uva? Caxias do Sul? A esquisitice justifica-se. Era a terra do então ministro das Comunicações, Hygino Corsetti, e as emissoras de TV quiseram puxar o saco ministerial, gratas pelo apoio que recebiam do governo militar.

Para mim, a TV em cores começou na casa de Thomas Farkas, no Pacaembu, onde nós, os colegas de seu filho Pedro, nos reuníamos para fazer trabalhos de faculdade ou simplesmente ver Emerson Fittipaldi ganhar corridas e levantar o Mundial de Fórmula-1 de 1972. No lar dos Priolli, bem menos aquinhoados que os Farkas, aquele reluzente televisor Telefunken “full colour” ainda demoraria uns dois anos para aportar.

Mais rápida foi a chegada do primeiro videocassete, em 1982. Eu já tinha casa própria, filha e renda suficiente quando a Sharp lançou naquele ano o aparelho que, com o primeiro videogame, surgido pouco antes, inaugurou o mercado de “home video”. Agora, a concorrência da televisão não vinha mais do cinema e demais diversões externas. Aparecia na própria tela do televisor.

A simplificação e o barateamento dos equipamentos de vídeo deram impulso, nos anos 1980, à produção independente de televisão. Enquanto alguns jovens formavam bandas de rock, outros montavam produtoras de vídeo: Olhar Eletrônico, TVDO, Conecta, TV Viva. Foi a primeira geração de realizadores que não veio da própria TV. A essa altura, eu já não era apenas fã, era profissional de televisão e jornalismo e atuava como crítico em jornais e revistas. Por isso e pela amizade com a moçada, participei intensamente daquele movimento. Fui, modestamente, um de seus ideólogos. Assim como Nelson Motta, que juntou roqueiros e “videomakers” no efêmero “Mocidade Independente”, na TV Bandeirantes. Nós achávamos, parafraseando Mao Tse-tung, que o vídeo faria “desabrochar cem flores” na TV brasileira, revolucionaria sua linguagem, sua estética e seu conteúdo.

Não foi bem o que se passou. Nas últimas décadas, floresceram mesmo as tecnologias rivais ou conexas da televisão: TV a cabo (1991), internet e DVD (1995), internet na TV a cabo (1998), banda larga na internet (2000), celular com vídeo (2003) e, mais recentemente, a HDTV, televisão digital em alta definição (2007). Temos uma infinidade de canais disponíveis, inúmeras formas de vê-los – e muito pouca diversidade. Hoje, como sempre, paira a máxima de Chacrinha: “Na televisão nada se cria, tudo se copia”. Há mais repetição que inovação. E tanta mesmice quanto tolice. O que não é nada alvissareiro, considerando o avanço irresistível da internet, que já é a mídia preferida dos jovens.

Quando vejo meu neto Francisco, do alto de seus 3 anos, ligar o DVD e navegar no menu de seus filmes prediletos, quando ele batuca no teclado do computador ou do iPod, tentando buscar vídeos divertidos no YouTube, eu assisto aos últimos capítulos da televisão muito sedutora, mas nada interativa, que conheci com a idade dele. Entrará no ar uma televisão muito maior, presente em todos os ambientes, em telas de todos os tamanhos, navegáveis ao toque dos dedos ou a comando de voz, pura interatividade. A experiência sensorial será muito distante dos chiados e chuviscos dos primórdios. Oxalá o conteúdo seja relevante – e o fascínio permaneça.

Gabriel Priolli é jornalista e diretor de televisão

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