O caso das escutas clandestinas feitas por repórteres do “News of the World”, do poderoso grupo de comunicações do australiano naturalizado americano Rupert Murdoch, News Corp., tem algumas características bastante inglesas. A principal delas, o fato de o escândalo explodir no mercado de tabloides sensacionalistas, marca deste segmento da imprensa britânica. Com mais de dois milhões de exemplares vendidos a cada domingo, “News” era um campeão de vendas, mas não maior que outro tabloide de Murdoch, “The Sun”, diário, com uma circulação acima de 3 milhões de cópias. “The Times” também é do empresário.
Mais que a uma tsunami, o escândalo se assemelha a um grande terremoto, daqueles que continuam a reverberar com fortes tremores secundários. Com a indiscutível intenção de salvar o negócio da compra definitiva da maior emissora de TV por assinatura da Inglaterra, a BSkyB, da qual já detém 36%, Murdoch foi ousado e fechou o tabloide, colocando ponto final numa história de 168 anos. Esperava também encerrar a celeuma. Mas não foi suficiente.
Também declinou do convite para comparecer ao Parlamento inglês, com o filho James, considerado até o escândalo seu sucessor, e braço direito do pai na Inglaterra. Mas terão de fazê-lo, na semana que vem. Tentou manter a diretora Rebekah Brooks, responsável pelos jornais do grupo na Inglaterra, e ela renunciou ontem, sob grande pressão. E também ontem a crise ultrapassou o Atlântico e levou à renúncia de Les Hinton, diretor da Dow Jones, dona do “Wall Street Journal”, muito ligado a Murdoch. Hinton foi para Nova York com a compra da Dow Jones pelo empresário. Para completar o dia, Rupper pediu desculpas.
Práticas antiéticas de repórteres do “News of the World” não eram novidade. O próprio príncipe Charles já havia sido grampeado por repórteres sem ética aliados a policiais corruptos.
Mas foi agora, com a revelação de que o tabloide invadiu a caixa postal do celular de uma adolescente sequestrada e morta, que veio o terremoto. Até um assessor do primeiro-ministro David Camerom foi detido, Andy Coulson, ex-editor do tabloide.
Por inevitável, o sistema de regulação da mídia imprensa inglesa está em xeque. E como sempre nessas eventualidades, há quem peça, de maneira equivocada, interferência do Estado no controle da mídia, quando o que está evidente é a inadequação do sistema de autorregulamentação inglês, e não o princípio do autocontrole. As editoras de jornais e revistas mantêm uma comissão para receber reclamações contra a imprensa — a Press Complaints Commission, PCC. Mas ela atua fora das redações, portanto não tem poderes reais, é um cão de guarda sem dentes.
Além de dar a medida de quão importante é a credibilidade para um veículo de imprensa, o escândalo reforça o modelo de autorregulamentação adotado por cada veículo, numa relação de comprometimento com os leitores.
Qualquer imposição de fora para dentro, seja de uma entidade independente, mesmo que sustentada pelas empresas do setor, ou, pior, pelo Estado e o poder político, não só é inócuo — como ficou claro na Inglaterra —, como será um cerceamento da liberdade de expressão, no caso da ingerência estatal.
Grampear pessoas, como fez o “News of the World”, é crime. Sequer serve de argumento numa discussão séria sobre regulação de imprensa.
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