Henry Jenkins é a autoridade acadêmica mais respeitada nos estudos sobre transmídia, a ponto de ter sido o responsável por cunhar o termo no seminal livro Cultura da Convergência, editado no Brasil pela editora Aleph. Nas próprias palavras do professor da University of Southern California, transmídia é “uma maneira de contar uma história com autores descentralizados, que compartilham e criam conteúdo para distribuição por diferentes tipos de mídia”.
Em vez de esgotar o assunto em apenas uma obra cultural, como livro, filme ou disco, projetos transmídia “mergulham a audiência no universo da história por pontos de entrada diversos e dispersos, oferecendo uma experiência coordenada e compreensiva”.
Nesta entrevista a Época NEGÓCIOS, Jenkins afirma que, ainda que venham ganhando projeção, projetos transmídia não representam necessariamente uma forma segura de estúdios, TVs e gravadoras reverterem perdas financeiras. A transmídia “pode expandir o sucesso se há uma audiência estabelecida que queira consumir mais daquela franquia. Mas não existe nada seguro ao iniciar um projeto do tipo”. A regra primordial, diz ele, “é não ser horrível”.
No Brasil, onde a americana Startlight Runner Entertainment fechou parceria com a Umana para contar a história da desenhista britânica Margaret Mee em diferentes canais, projetos transmídia têm campo fértil graças à tradição das histórias passadas de geração em geração apenas pelo discurso, traço cultural que depende diretamente da participação popular. “No Brasil, a novela parece um caminho natural. Mas você terá muito trabalho no que diz respeito à educação das audiências em como interagir com propriedades transmídia”, diz.
Confira a entrevista completa:
ÉPOCA NEGÓCIOS – Produtos transmídia podem ser considerados caminhos seguros para que estúdios revertam a queda na venda de entradas de cinema?
Henry Jenkins – Não acho que devemos olhar dessa maneira. Até agora, a transmídia foi financiada por verbas promocionais como forma de expandir o engajamento da audiência com o material. Ter um conteúdo transmídia não garantirá sucesso de mercado se a história por trás não for interessante ou engajante. Ela pode expandir o sucesso se há uma audiência estabelecida que queira consumir mais daquela franquia, e prolongar o interesse e diversificar o mercado para a experiência proposta. Mas não existe nada “seguro” em relação a iniciar um projeto do tipo. Como um dos meus ex-alunos, Geoff Long, explica, a ordem primordial é não ser horrível. Não existem garantias maiores na transmídia do que em qualquer outra estratégia para desenvolver uma franquia de mídia.
Que tipo de características regionais os produtores transmídia precisam observar antes de lançar seus projetos?
Diferentes culturas são orientadas para diferentes plataformas, dependendo de certas tecnologias e habilidades culturais estarem amplamente disponíveis. Algumas culturas asiáticas têm uma longa tradição de compartilhar histórias por diferentes plataformas e têm uma alta concentração de gamers. Nos Estados Unidos, uma alta porcentagem de jovens está confortável em usar computadores conectados para consumir informação e entretenimento.
Estas culturas parecem propícias para estratégias de transmídia, que exploram particularidades da mídia digital e redes sociais. Eu teria mais cuidado em países onde as taxas de adoção de nova mídia são menores, onde habilidades para acompanhar histórias por diferentes plataformas não evoluíram. Uma das vantagens do Brasil é sua forte tradição oral. As pessoas têm participação significativa e [esta cultura] respeita o valor das histórias contadas no dia a dia. No Brasil, eu criaria uma abordagem que dependa fortemente de conteúdo gerado pelo usuário para ajudar a destacar a principal experiência, e também exploraria um pouco mais performances ao vivo, para expandir a história.
Existe algum gênero que, fragmentado em diferentes plataformas de divulgação, tem um potencial maior para manter sua audiência engajada?
Até agora, a comunidade mais desenvolvida ao redor de transmídia se formou no gênero de entretenimento – especialmente fantasia e ficção científica, mas também animação, super-heróis e horror. Estes gêneros têm uma audiência principal muito desenvolvida, com fãs hardcore que trocam informações pela rede sobre interesses e experiências. Eles já sabem como vivenciar a experiência transmídia, e estas práticas se encaixam bem nas relações sociais existentes entre eles. Estes fãs constituem o sistema de suporte que ajuda a popularizar a história. Acredito que seja possível fazer trabalhos esteticamente interessantes com transmídia em diferentes gêneros. No Brasil, a novela parece um caminho natural. Mas você tem muito trabalho no que diz respeito à educação das audiências em como interagir com propriedades transmídia, e pode não haver uma rede totalmente formada entre os consumidores casuais e os hardcore destes gêneros.
Em termos de marketing, qual o impacto que a divulgação de um projeto usando abordagem transmídia tem sobre os métodos mais tradicionais, como campanhas feitas em TVs, rádios e outdoors?
É fácil apontar casos em que uma abordagem transmídia substituiu grandes compras de anúncios, permitindo que trabalhos pouco conhecidos ganhassem visibilidade a custos muito menores e, assim, diminuíssem os riscos da distribuição. Houve um boom de desenvolvedores independentes e com pouco dinheiro [explorando a divulgação transmídia]. Ao mesmo tempo, a transmídia pode coexistir com lançamentos gigantescos, complementando as estratégias tradicionais. A chave é perceber como se posicionar entre ambos. Agora, transmídia sinaliza uma propriedade de nicho, uma que gerará excitação para entusiastas, fãs hardcore e populações altamente conectadas. Com sua popularização, porém, podemos imaginar a transmídia como outro caminho para o público se interessar por uma franquia de sucesso, parte do que gera o buzz ao redor de um grande lançamento.
Estúdios de cinema e gravadoras estão preparados para aceitar a participação livre dos consumidores nas campanhas transmídia, com dublagens, remixes e reinterpretações?
A maior parte da cultura que se desenvolve a partir da audiência surgiu de forma espontânea ao redor de propriedades de mídia. Produtores uniram um mix de elementos que tiveram apelo entre fãs hardcore e, nos melhores casos, saíram do caminho para que o conteúdo amador florescesse. Como regra, estes desenvolvimentos “vindos de baixo” carregam mais autenticidade e credibilidade entre consumidores que competições oficiais, que, inevitavelmente, impõem regras, limitando em vez de incentivar a criatividade da audiência.
Até agora, projetos transmídia têm se apoiado mais no desejo das comunidades online de coletar informações e trabalhar em questões complexas juntas que na participação criativa direta das suas audiências. A série Glee, por exemplo, provocou muitos vídeos amadores no YouTube, com versões dubladas ou para karaokê das músicas veiculadas: os criadores incentivaram a criação ao vender as versões das músicas no iTunes na mesma semana em que o episódio ia ao ar, mas não interferiram na produção de vídeos amadores. O Lost, por outro lado, criou uma série de enigmas e charadas que eram apoiadas por conteúdo transmídia, e os fãs morderam a isca, participando de discussões online para juntar as peças ou contribuindo para a Lostpedia, uma “Wikipedia” apenas para informações variadas e novas teorias.
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