A internet só é útil para quem dela se serve com inteligência e discernimento; empregada com más intenções, ela pode levar ao oposto da liberdade
No conto “A Hora e Vez de Augusto Matraga”, Guimarães Rosa nos fala de um homem perdido pelas veredas da vida, mas que, no dia da sua morte, imprime à própria história um sentido que jamais tivera.
Quantos de nós, quando chegar o momento, conseguirão fazer o mesmo? Trata-se, sem dúvida, de questão crucial, pois, como seres semióticos, não nos é dado viver sem perseguir significados -muito menos sem sermos por eles perseguidos.
Assediados por informações redundantes, a maioria dos humanos pós-modernos a elas reagem de maneira catastrófica: ora absorvem as notícias como se fossem parasitas, alimentando-se de “bits” que já chegam digeridos, ora engolem, sem critério, toneladas de conteúdos, para depois sofrerem de pantagruélica indigestão.
A internet é um caso exemplar. Por meio dela -creem os fiéis mais ardorosos- seria possível transmitir ao cidadão informações não distorcidas pelo “filtro pernicioso” da imprensa e também elevar o nível cultural do povo (há mesmo visionários que já sonham com democracias plebiscitárias, onde as questões relevantes seriam decididas, “de casa mesmo”, pelo tamborilar obediente de milhões de dedos operosos no teclado místico da pátria).
Será isso verdade?
Não creio. A internet só é útil para os que dela se servem com inteligência e discernimento e que sabem, de antemão, o que desejam encontrar. Graças a ela, por exemplo, o amante de música pode ter rápido acesso a gravações diferentes da sua obra predileta.
Um indivíduo, porém, que não tiver recebido uma boa educação musical -com professores vocacionados, competentes e bem pagos-, dificilmente optará por ouvir a “Grande Fuga”, de Beethoven ou “As Rosas não Falam”, de Cartola, ignorando até que existam. Ele preferirá se divertir com algum lixo midiático que lhe tiver sido inculcado de maneira sorrateira.
De nada lhe servirá a hipertextualidade da internet, com as suas infinitas possibilidades semânticas, que é tão incensada por “ciberfilósofos” iludidos com o fetiche da técnica. O mais das vezes, navegará pelas rotas congestionadas “por onde vai todo mundo”, reafirmando o gregarismo acrítico que marca esta época em que avultam a solidão coletiva e a servidão voluntária.
É por isso que a internet, se empregada com más intenções, pode levar ao oposto da liberdade e conduzir, pela ladeira do populismo conformista, ao pântano dos regimes totalitários.
Neste mundo tão “virtual”, onde tudo parece ser o que não é, vale a pena lembrar que o meio não é nunca a mensagem, apesar do que dizia McLuhan (mais citado que lido).
Para além dos apelos da rapidez insensata e da novidade banal, brilha a sabedoria profunda das verdadeiras obras-primas, a única capaz de dar sentido à “hora e vez” de cada pessoa.
Um grande conto será sempre grande, descortinando panoramas insuspeitados, esteja escrito em papel de pão, embutido num holograma ou estampado numa tela polvilhada de hyperlinks. Guimarães Rosa, sem nunca ter visto a internet, sabia disso muito bem.
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