No mês passado, a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que abre o mercado de TV a cabo para as empresas de telecomunicações nacionais e estrangeiras e define cotas nacionais de programação, o tão discutido PLC 116, antes conhecido como PL 29. De uma forma ou de outra, esse projeto ficou em tramitação no legislativo por mais de dez anos e foi submetido à discussão dentro do Congresso, com inúmeras audiências públicas, e no âmbito da sociedade.
Primeiramente, o PLC 116 veio para uniformizar o marco legal dos serviços de televisão por assinatura. Antes dele, os serviços de TV a cabo tinham tratamento diferenciado dos serviços via satélite – o mesmo serviço, executado com tecnologias diferentes, tinha tratamento legal distinto. Por exemplo: a participação de investidores estrangeiros nas empresas de TV a cabo era limitada a 49%, enquanto nas via satélites, não havia restrição. Este tratamento diferenciado, resultado de uma legislação deficiente, gerava algumas distorções competitivas.
Com o PLC 116, as empresas operadoras dos serviços de telecomunicação podem prestar serviços de TV a cabo. Antes elas eram impedidas. Seu primeiro efeito é possibilitar que a Telefónica e a América Móvil (empresas de capital estrangeiro) exerçam suas opções de compra de participação societária na TVA e Net, respectivamente. Dessa maneira, abre-se a concorrência no setor e a possibilidade de investimento em expansão e melhoria dos serviços. Como decorrência, um lendário jargão da modernidade, a convergência digital, sairá do campo das lendas brasileiras e virará realidade.
O chamado triple play – TV por assinatura, banda larga e telefonia – anda de mãos dadas em muitos países desenvolvidos, de uma forma mais eficiente do que nós conhecemos no Brasil – um dos serviços mais caros do mundo. Com a abertura legal, o triple play ganha escala para os investimentos em infraestrutura de distribuição de sinal e, assim, há condições para melhoria em preço, cobertura, qualidade e tecnologia. O projeto traz ainda uma inovação regulatória tão polêmica ou mais que a entrada de capital estrangeiro e das operadoras: a cota de tela para conteúdo qualificado brasileiro.
Além de ser um meio de comunicação, a TV por assinatura é um serviço privado – que é colocado à disposição por meio de autorização do poder público, diferentemente da TV aberta, que é um serviço público outorgado por concessão. A cota de tela, de fato, interfere diretamente na liberdade de expressão, direcionando conteúdo. É certo que esse direcionamento é quanto a origem dos programas e não quanto ao mérito do conteúdo em si. Para acirrar os ânimos, o PLC 116 atribui à Ancine o poder para realizar o “julgamento” do cumprimento destas cotas. Existem discussões sérias, com nomes de respeito questionando a constitucionalidade desta novidade. Apenas o STF terá a palavra final sobre o tema.
Constitucional ou não, o fato é que, enquanto isso, os mecanismos oficiais de incentivo fiscal Cultura, promovidos pela Lei do Audiovisual causaram, não só a chamada “Retomada do Cinema Brasileiro”, que nos proporciona um número razoável de lançamentos nos cinemas todas as semanas, mas também o surgimento de todo um setor de produção de obras para a televisão, fora dos estúdios das redes de TV aberta. Hoje os filmes nacionais já conquistaram mais de 20% do mercado no Brasil (um fenômeno mundial).
As empresas produtoras dos filmes de publicidade, que outrora realizavam um filme de cinema por ano, hoje, além de produzirem seus comerciais de 30 segundos aclamados mundialmente, agora fazem conteúdo para TV por assinatura. E, mesmo com todos os problemas e distorções da Lei do Audiovisual, todas as críticas procedentes ou não à atuação da Ancine, temos uma quantidade razoável de profissionais respeitados produzindo para TV.
Com a obrigação da inclusão de conteúdo nacional no horário nobre de todos os canais de TV por assinatura, iniciou-se uma corrida pela produção de programas novos e licenciamento de obras já existentes (muitas obras boas nunca foram vistas pelo grande público por falta de espaço de exibição).
Obviamente os canais internacionais estão descontentes com a interferência oficial em sua programação e com o aumento de custo que isso gerará, pois terão que colocar conteúdo brasileiro em suas grades de programação, à força. Os feeds que eram programados para toda a América Latina ou terão que ser divididos ou nossos vizinhos verão mais produtos brasileiros… que suerte!
Enfim, será muito interessante ver o desenvolvimento das consequências da vigência, muito em breve, do PLC 116.
Fonte: O Estado de São Paulo.