A radiodifusão é um serviço de telecomunicações quase centenário. Nasceu depois da telefonia e é quase uma irmã gêmea da telegrafia sem fio. Guglielmo Marconi havia imaginado um sistema para comunicação com navios: uma estação costeira se comunicando com vários navios. Ou seja, um ponto se comunicando com muitos. Estava no ar a ideia, o embrião da radiodifusão.
A primeira real estação de rádio começou a funcionar em Pittsburgh, em 1920. E foi nos EUA que também se fixou o modelo de radiodifusão posteriormente adotado no Brasil: predominantemente privado, cabendo ao radiodifusor a escolha e, logo, a responsabilidade da programação.
No início, não havia nenhuma lei, nenhum regulamento que tratasse de radiodifusão. Cada um tentava o modelo que lhe parecesse melhor. A RCA e a Westinghouse, por exemplo, sendo fabricantes, desenharam suas operações com base na venda de receptores de rádio. Não deu certo. O modelo não se sustentaria, até porque as patentes expirariam num dado momento. O Sistema Bell, já então um gigante com tentáculos em vários serviços, ensaiou o seu modelo conhecido na telefonia: o Common Carrier. E começou a dar certo, muito certo até, do ponto de vista comercial.
Em telecomunicações, um serviço é classificado como Common Carrier quando é oferecido a todos e quando o operador não provê o conteúdo do que é transportado.
Nesse modelo, o dono da rede não interfere no conteúdo veiculado em sua rede. Foi isso que a Bell fez com suas rádios: alugava seu tempo de ar a quem quisesse. Seu modelo começou a fazer sucesso. Ora, a Bell já era o virtual monopolista de telefonia e poderia se tornar dominante na radiodifusão. Era demais.
Foi feito um acordo com as autoridades antitruste americanas para que o Sistema Bell provesse apenas serviços Common Carrier. E, assim, a radiodifusão não seria um Common Carrier, seria o oposto do Common Carrier. A radiodifusão seria um serviço em que o usuário não é um assinante, não é sequer identificado: o usuário é qualquer um, todos. O radiodifusor não aceita ou controla quem é usuário.
E o tempo, a tradição e a Lei cristalizaram essa situação. O radiodifusor não ofereceria seu tempo de transmissão a terceiros; o radiodifusor escolheria o conteúdo do que fosse transportado em seus sinais radiofônicos. Se na telefonia o operador não se intromete no conteúdo que transporta, o radiodifusor, mais do que se intrometer, determina o conteúdo da transmissão. Por isso, o radiodifusor, ao contrário da telefonia, é responsável, e responsabilizado legalmente, pelo conteúdo transmitido por sua emissora.
Este é o modelo da radiodifusão que o Brasil adotou, com sucesso, diga-se de passagem.
Assim, não sendo um serviço de Common Carrier, nem qualquer outro serviço por assinatura, cabe à radiodifusão sobreviver à custa de propaganda comercial, daí auferindo mais ou menos receitas, de acordo com as quantidades e qualidades de sua audiência.
Ora, se uma rádio ou TV começa a sobreviver de outras formas, inclusive vendendo espaços de tempo, sem controle sobre esses espaços, o modelo pode entrar em colapso.
Em 1969, uma rádio FM, a WHBI, teve o pedido de renovação de sua concessão negado pela FCC. Razão: alugava cerca de 75% de seu tempo a terceiros, que transmitiam programações étnicas em cerca de 18 línguas, além de outra parte de programação de seitas e grupos religiosos. A FCC concluiu que a WHBI abandonou na mão de terceiros o controle da programação da rádio, abdicando da sua obrigação, indelegável, de escolher a programação que melhor atendesse às necessidades da comunidade.
Muitas são as razões que levaram emissoras brasileiras a alugarem tempo de transmissão a terceiros. É claro que há uma crônica escassez de capital em nossa radiodifusão.
Mas isso não quer dizer que não exista um modelo histórico, legal e conceitual da radiodifusão.
SÁVIO PINHEIRO é engenheiro de telecomunicações
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