As redações de jornais, de revistas, de sites, de blogs e de outros espaços e gêneros do jornalismo contemporâneo soem ser um microcosmo, se pensarmos bem, uma figura representativa do mundo lá fora. Os estudos acerca do jornalismo têm um argumento tradicional que advoga a reflexão entre o que se publica, o que acontece e o que a audiência quer, demonstrando um fenômeno de naturalização de um ardil que promoveu a existência desse produto em pele de prestação de serviço, uma representação da representação. Com efeito, as potencialidades que a técnica informacional e comunicacional contemporânea administram são tão abarcadoras que não me inibo a reverter o axioma de Althusser e dizer que hoje é o Estado que se conforma como um aparelho ideológico dos meios. Pareceria que se vive uma realidade semiotizada, mas, sem poder agregar dados a esse topos, refiro-me ao fenômeno como uma constatação e externo a impressão pessoal de hoje não convivermos apenas com seres e objetos, mas sobretudo convivermos com imagens.
Este prefácio trata de apresentar o trabalho de dissertação de mestrado de William Robson, agora transformado em livro, que reúne precisamente três pilares do edifício social que habitamos: jornalismo, imagem e representação. O que são os infográficos senão um gênero de informação mediante uma representação pictórica da representação gráfica da palavra, em verdade uma essencialização do material tratado pela narrativa da notícia? Em prisma filosófico acerca da complexidade assumida pelas linguagens em um mundo dependente da comunicação, interdependente, pode-se aventar a ocorrência de uma rebelião dos signos contra os fatos, cada qual assumindo uma posição diante de um evento. No trabalho, evitando divagações, o autor busca definir a relevância desse pequeno grande gênero na prática jornalística hoje e começa por fazer um reconto histórico, emparentando os chamativos gráficos e vídeos contemporâneos ao misticismo dos rabiscos das cavernas de Lascaux e Altamira. Passa a uma emolduração teórica em que vincula valores notícias, enquadramentos, critérios de noticiabilidade, newsmaking e agenda-setting, isto é, as principais teorias da notícia, e finalmente empreende uma análise pontual dos processos de produção de infográficos interativos na redação do jornal cearense Diário de Notícias.
Análise afinada
Em face da ausência de bibliografia no Brasil acerca do tema, William Robson foi pesquisar na Europa e lá, especialmente na Galícia, encontrou uma parte importante da literatura selecionada, em um ato heróico de construção do seu arcabouço. Esse déficit nacional, segundo sugere, repercute na qualidade e na quantidade de infográficos realizados pelos jornais e um dos argumentos para esse baixo desempenho é a carência de profissionais, facilmente explicado em um país em que o letramento digital ainda é incipiente. Não obstante esse obstáculo, William Robson não tece críticas e se concentra na função do infográfico para a valorização da notícia, uma vez que considera o gênero uma nova maneira de validar o fato jornalístico e, conforme ele gosta de pontuar, construir a realidade jornalística.
Falamos já das salas de redação como um microcosmo do mundo e mencionamos que o jornalismo, para alguns, representa um espaço em que se debatem os temas de interesse públicos nas sociedades abertas (burguesas, capitalistas, civilizadas?). Dissemos ainda que na atualidade as imagens parecem substituir as coisas ou ganham um estatuto inaudito. Como ocorreu comigo, com essas questões em mente, o leitor logo ativa sua habilidade axiomática para vincular, a partir dos sinais que William Robson disponibiliza, a brecha digital no Brasil com o fraco desempenho das políticas nacionais para distribuir as benesses que a economia brasileira gera. Ou ainda, para perceber que os conteúdos e as formas dos infográficos revelam-se mais próximos de certos interesses privados do que públicos. Para estabelecer o liame entre o desprezo por essa ferramenta jornalística e a meia dúzia de segmentos sociais representados pelos grupos de imprensa no país e seus veículos. São correspondências que William Robson tangencia mediante uma análise quantitativa afinada, isto é, que ele insinua, mas não diz. Essa parece a melhor maneira de se erigir um argumento.
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Sebastião Guilherme Albano é pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), doutor em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), realiza estudos de pós-doutorado na Universidad Nacional Antónoma de México (UNAM) e University of Texas at Austin (EUA)
Fonte: Observatório da Imprensa -Artigos