É de ontem o conflito instaurado entre a chefe do governo argentino e a imprensa daquele país ou com a parte que se insurgiu contra a unanimidade jornalística, que se pretendeu impor em relação aos meios de comunicação.
A situação de bom convívio se manteve até o chamado “tarifaço agrário” decretado pelo governo de Cristina Kirchner; não há quem ignore a importância do segmento agrícola, abrangente do pecuário, naquele país e o relevo da questão criada; o complexo capitaneado pelo jornal Clarín, o mais importante da Argentina, tomou o partido do mundo rural e daí o seu afastamento do governo.
A partir desse momento, o Grupo Clarín passou a ser estigmatizado e, não tardou o dia, foi em fins de dezembro, que 200 fiscais fazendários, de inopino, invadiram a TV a cabo do grupo, levando consigo documentos da empresa. Não durou muito, o Senado aprovou projeto declarando de “interesse público” a fabricação, comercialização e distribuição de papel-jornal.
Ocorre que o papel-imprensa era fabricado por uma só empresa que abastece 75% dos consumidores, 172 jornais em todo o país. Vale salientar que dessa empresa o Grupo Clarín possuía 49% das ações, o La Nación era titular de 22%, a República Argentina, 27,5%, e o restante 1,5%, pequenos acionistas. Mas, com a iniciativa de batizar o papel-imprensa como de “interesse público”, proibiu que empresas jornalísticas possuíssem ações do Papel-Prensa.
Ora, o mais acanhado observador não custaria a concluir que o Grupo Clarín ficava com seus dias contados e, faz dias, foi divulgada a notícia de que o maior jornal da nação suspendera dois suplementos em suas edições dominicais por falta de papel…
O caso não é novo. A própria Argentina já conheceu coisa parecida; quando o peronismo começava também sua guerra contra a imprensa e seus grandes jornais, La Nación e La Prensa figuravam entre os maiores e melhores do mundo; o resultado está à vista de qualquer do povo.
O que está acontecendo na Argentina, mutatis mutandis, aconteceu também no Equador; um no sul do continente, de costas para os Andes e voltado para o Atlântico, outro, voltado para o Pacífico, deixando os Andes para o lado, ou seja, um fenômeno no Sul, outro de igual natureza no Norte. Ambos antológicos. No Equador, uma ou duas pessoas, referindo-se ao presidente Correa, disseram-no ditador. Certa ou equivocada, tratava-se de mera opinião, errônea ou luminosa. Ora, entre milhares de pessoas, dificilmente não haveria algumas centenas a dizer o mesmo, com ou sem a intenção de ferir o bom nome do alvo, mas com o propósito de caracterizar a atuação de um governante, e com cujos atos não concordam. Procedimentos correntes em uma sociedade democrática. Pois bem, a pessoa ou pessoas que tenham assim se expressado foram condenadas a três anos de prisão e à condenação por danos morais da ordem de US$ 40 milhões!
Não conheço nação democrática que tenha legislação semelhante. Os presidentes Obama e Sarkozy são assim tratados uma vez por ano, senão mais, ou por mês, ou por semana, ou por dia, ou por hora, por motivos concludentes ou por meros preconceitos; quem não lembra de Churchill, até chegar a primeiro-ministro em 1940, era um dos homens mais malquistos da Inglaterra, e jamais se lembrou ele de ocupar-se dos que o desestimavam. E era Churchill.
Por falar em Churchill, não resisto em lembrar livro recente do professor Nigel Knight intitulado Churchill Desmascarado. Ao longo de 450 páginas, sustenta ele que nada fez de bom, de útil ou de belo. Tudo errado. As derradeiras palavras dizem tudo: “Foi Hitler que tornou Churchill uma figura histórica” da qual “nos lembramos de Churchill, acima de todo o resto, pela derrota de Hitler. Hitler, entretanto, é lembrado por si mesmo”!!!
Ora, a todas as luzes, o que está ocorrendo na Argentina e no Equador, pela desproporção das penas impostas, criminal e indenizatória, deixando de concluir que não são sanções dotadas de um mínimo de razoabilidade, e porejam sentimentos próprios de uma inimizade capital com a liberdade de imprensa. Os maus exemplos também se reproduzem e, quiçá, com abundância maior do que os bons. Este é o mal que, depois de tantos erros a propósito, começa a aparecer e deitar sementes, o que é perigoso para todos, e até de onde menos se espera. A liberdade de imprensa, escreveu Rui Barbosa, é a primeira das liberdades, só que há alguns que não a estimam.
Fonte:Zero Hora – Porto Alegre – Artigos