A evolução tecnológica que permitiu levar o conteúdo da televisão para o computador e para as pequenas telas dos tablets e celulares também criou novos hábitos nos consumidores. Mais exigentes, eles querem assistir à programação preferida a qualquer hora, em qualquer lugar, em qualquer tipo de aparelho e, de preferência, sem terem de pagar a mais por isso. Mas criar um modelo de negócios viável para programadores de canais, provedores de serviços, operadoras de TV por assinatura e clientes tem-se mostrado uma equação difícil de solucionar.
O momento favorece a retomada do debate por conta de uma nova regulamentação no setor. A partir de setembro, será visto, na prática, o que demorou cinco anos para aprovação no Congresso Nacional: a lei de acesso condicionado (SeaC), ou a “nova lei da TV paga”.
Essa lei abre o mercado de TV paga aos provedores de internet, que podiam oferecer banda larga, mas não conteúdo. Além disso, permite que grandes grupos de telefonia possam prestar o serviço sem limite de participação de capital estrangeiro.
As licenças para prestação do serviço foram unificadas, sem distinguir empresas de cabo, satélite ou qualquer outro tipo de infraestrutura. Foram também criadas cotas de programação nacional e taxas sobre conteúdo que vem do exterior.
As mudanças são decorrentes do potencial do mercado de TV paga. O país conta com 14,5 milhões de domicílios atendidos pelo serviço, segundo a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA). Levando-se em conta que em cada residência há três habitantes, em média, de acordo com o IBGE, calcula-se que cerca de 50 milhões de brasileiros têm acesso à TV paga.
A população do Brasil, entretanto, passa de 200 milhões de pessoas. “Só 25% das casas têm TV por assinatura”, disse o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, recentemente. A previsão do ministério é de chegar a 2015 com 70% dos domicílios, ou 140 milhões de casas, atendidos.
Para Rodrigo Dienstmman, diretor de operadoras da Cisco do Brasil, esse novo cenário está diretamente ligado à tecnologia. “A oferta de TV paga terá de se adaptar a todo momento, conforme novas tecnologias vão aparecendo”, afirmou.
A Claro, por exemplo, tem apostado nos clientes que nunca tiveram TV paga. Desde março, sob o nome de Claro TV, repaginou o modelo anterior Via Embratel e leva, por meio de satélite (DTH) o serviço a 2,3 milhões de assinantes em 5,4 mil municípios.
Controlada pelo grupo América Móvil, do bilionário Carlos Slim, a Claro conta também com a Net e a Embratel para ampliar a capilaridade e as ofertas. A estratégia tem o cuidado de impedir a canibalização entre as empresas do grupo.
“O desafio é levar TV paga de boa qualidade aos municípios não atendidos e, ao mesmo tempo, dar ao usuário que pode pagar mais caro, experiências para ele ver a TV em qualquer lugar”, disse Antônio João Filho, diretor-geral da Claro TV.
Especializada na infraestrutura por cabo, a Net mantém sua aposta nos pacotes de serviços, ou combos, de TV, telefone fixo e banda larga. “Desde que a Embratel entrou no capital da Net, em 2006, a nossa visão é oferecer múltiplos serviços”, disse Márcio Carvalho, diretor de produtos da Net.
Ocorre que a tecnologia anda mais rápido que os modelos de negócio. “Mais do que oferecer a TV via cabo, satélite, ou micro-ondas (MMDS), a internet abre possibilidades e esse universo é livre, inclusive para que o usuário escolha o que assistir, independentemente de pagar a uma operadora de TV por isso”, disse Mariana Filizola, diretora da NeoTV, associação que representa as pequenas operadoras de TV por assinatura.
Para atender a essa exigência foi criado o modelo “over the top” (OTT), que permite oferecer conteúdo via internet, sem que o cliente precise pagar um pacote de TV por assinatura. O Netflix é um exemplo do modelo. As teles, entretanto, reclamam, pois não são remuneradas pelo serviço que trafega em sua infraestrutura de banda larga.
Para atender a esses provedores de conteúdo na internet, as programadoras precisam intervir em um ecossistema pronto – as programadoras vendem o conteúdo à operadora de TV paga, que por sua vez incluem o conteúdo na sua grade para o assinante. A programadora Globosat não pretende oferecer seu conteúdo para prestadores de serviços por internet, segundo Gustavo Ramos, diretor de novas mídias da empresa. O executivo disse que o modelo atual, de oferecer conteúdo sob demanda aos assinantes das operadoras de TV paga, já deu certo e não há por que mudar.
Com o serviço Telecine Play, a Globosat oferece um cardápio de 1,5 mil filmes, que podem ser acessados por smartphone ou tablet. O executivo disse acreditar que é importante a figura do operador para entregar o conteúdo ao usuário. “O brasileiro gosta de TV e sabe que, por meio da assinatura, vai ter qualidade”, disse Ramos.
Na Oi TV a estratégia poderá ser diferente. O diretor de segmentos da tele, Eduardo Aspesi, disse que está testando com alguns parceiros o aluguel da infraestrutura para que esses provedores ofereçam conteúdo via internet.
Nos últimos dois anos, a Oi vinha perdendo clientes, e, em janeiro, mudou a estratégia, incluindo canais de alta definição (HD) em planos básicos. Agora com 500 mil assinantes, a meta do executivo é crescer acima de 30% ao ano.
Enquanto as empresas de TV paga lutam para associar a evolução tecnológica aos lucros, as emissoras de TV aberta enfrentam outros desafios. Para uma meta de digitalizar o sinal em 5.565 municípios até 2016, as emissoras abertas só atenderam a 1.210 municípios até agora. Outras 4.355 localidades continuam a receber apenas o sinal analógico, segundo informou ao Valor o Ministério das Comunicações. O ministério, entretanto, afirmou que a meta está mantida. Do contrário, seria difícil atender a expectativa do governo de migrar do analógico da TV aberta e ainda avançar com a TV por assinatura para 140 milhões de casas em três anos.
Fonte:Valor Econômico