Embora o conceito de Estado seja tema de ciência jurídica, objeto de estudo nas faculdades de direito, convém que seja, ele, do conhecimento popular, por meio de linguagem comum, despida de jargão jurídico. Não apenas convém, mas é preciso que todas as pessoas saibam que o Estado é composto de três elementos: povo, território e governo. Evidentemente, o mais importante deles é o povo (demos), conjunto de todos os indivíduos que vivem em determinado espaço terrestre.
O governo, na clássica tripartição de poder (Legislativo, Executivo e Judiciário), nada mais deve ser do que a expressão da vontade do povo, pois só este é o titular perene do poder. É assim em qualquer Estado soberano, de índole democrática (governo do povo), como no Brasil, em que o governo é mero representante do povo (democracia representativa). Afinal, o povo elege diretamente seus legisladores e o chefe executivo do Estado, que desempenharão suas funções, por período limitado de tempo, em nome de todos os indivíduos componentes do Estado brasileiro.
Tais conceitos foram adotados pela Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada há quase 25 anos. Certo é que, no Brasil, como em qualquer Estado democrático organizado, o povo, por meio do voto dado aos seus representantes, impõe limites aos governantes e a si próprio, aqui compreendidas as pessoas físicas e jurídicas. Sem tais limitações, imperaria a desordem e seria impossível a convivência social. Não é por outra razão que existe o Código Penal, conjunto descritivo de condutas a que se denominam crimes. Torna-se imprescindível a proibição dessas condutas, porque a prática delas viola o mínimo de valores éticos exigidos para a boa convivência social.
Todavia, muitas outras condutas há, em outras leis, cada vez mais abundantes, também consideradas crimes, como se o direito penal fosse a panaceia de todos os males que afligem nossa sociedade.
Aliás, na atividade administrativa do Estado, a tendência, cada vez mais crescente, é a intervenção para proibir tudo aquilo que os administradores reputam prejudicial aos indivíduos e à sociedade. É o Estado-administração tornando-se indesejado tutor ou curador de todos nós, com invasão, cada vez maior, do espaço intangível de liberdade de cada cidadão, quase sempre com ofensa ao que dispõe a própria Constituição da República.
Cite-se o art. 220 da Constituição Federal, cujo § 4º dispõe que a “propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso”.
É evidente que as restrições, aqui, se referem à propaganda comercial dos produtos mencionados e hão de ser decorrentes de lei e não de simples atos administrativos oriundos de agências reguladoras. A interpretação restritiva do preceito constitucional se impõe, por se tratar de restrição à liberdade de propaganda. Não se pode admitir que a administração pública, a pretexto de proteger a saúde dos cidadãos brasileiros, possa extrapolar de suas atribuições e expedir atos normativos para regular a composição química desses produtos, com o intuito único de torná-los menos atrativos para os consumidores.
É justo o receio de que, em breve, se possa assistir à determinação estatal de que seja excluído o álcool das bebidas, porque se trata de substância maléfica à saúde.
É evidente que medidas regulatórias não podem ser abusivas, principalmente quando cerceiam a liberdade dos indivíduos, sem que estes estejam prejudicando a liberdade de outros cidadãos. Posturas de tutor ou de curador do povo não se coaduna com o regime democrático.
Que a administração pública, por si ou por suas agências reguladoras, se lembre, portanto, de que a desarrazoada intervenção na liberdade individual, sem previsão legal, é conduta antidemocrática, que interfere, indevidamente, na liberdade de cada um do povo. Ao Estado é proibido proibir sem razoabilidade.
Fonte:Correio Braziliense -Opinião