Para cobrir bem a campanha presidencial, o jornal precisa investir em entender a pobreza no país
O noticiário político de domingo passado abriu com “Candidatos distorcem renda para garantir Bolsa Família”. A reportagem que sustentava esse título tinha apenas um caso, de uma dona de casa em Miracema do Tocantins (TO), que não se identificou, mas confessou que esconde parte dos seus ganhos para não perder o benefício oferecido pelo governo federal.
A dona de casa não mora em uma mansão de sete dormitórios e oito banheiros na Flórida, como o ex-dirigente da CBF. Ela esperava havia duas horas numa fila para tentar se recadastrar para o Bolsa Família.
A Folha não precisava ter viajado 1.833 quilômetros para constatar que há subnotificação de renda. É óbvio que um programa social que atinge 13,9 milhões de famílias tem desvios -o difícil é dimensionar o tamanho do vazamento e se ele compromete a eficácia da política.
Segundo um levantamento de 2012 da Controladoria-Geral da União, citado na reportagem de domingo, as fraudes não chegam a 3% das famílias atendidas.
O combate à pobreza estará na pauta da eleição presidencial, como já se viu neste precoce início de campanha. No anúncio da ampliação do Bolsa Família, no último dia 19, o governo lançou o slogan “O fim da miséria é apenas um começo” e Dilma anunciou que “o Brasil vira uma página decisiva na nossa longa história de exclusão social”.
A Folha já publicou vários textos mostrando o que há de manobra estatística na “erradicação da miséria” pelo critério monetário (considera-se que pobreza extrema é a de quem vive com menos de R$ 70 mensais), mas falta mostrar os prós e contras da estratégia social do governo na “vida real”.
O jornal foi ao interior do Piauí para ver que diferença fazem os R$ 2 que o programa Brasil Carinhoso destinou a algumas famílias, mas é pouco. É preciso correr o país -e a periferia de São Paulo- para medir o alcance dessas políticas, saber como agem as prefeituras, determinar o impacto econômico nas pequenas cidades e checar se há, de fato, emancipação dos mais pobres.
Como sobrevivem os brasileiros que gastam por mês menos do que se paga por uma assinatura de jornal? Tem gente fazendo uso político do cadastramento?
Só que não adianta pinçar meia dúzia de personagens para ilustrar determinado texto, como geralmente acontece. Para produzir material que dê gosto de publicar, será preciso ser generoso com o tempo de apuração, “esquecer” um bom repórter por alguns meses. Conhecendo bem o problema da pobreza no país, o jornal poderá dar um salto de qualidade na cobertura da campanha presidencial do ano que vem, questionando, com fatos, o blá-blá-blá dos candidatos.
ARANHAS PASSEIAM PELA FOLHA
Doze aranhas invadiram as páginas de “Mundo” na segunda-feira passada. Elas se espalhavam por cima da cabeça de Fidel Castro, embaixo do papa, ao lado de uma manifestante seminua.
Os bichos irritaram leitores, que não entendiam de que se tratava.Era uma forma de chamar a atenção para o anúncio de uma operadora de TV paga, mas não havia aviso de “informe publicitário”.
“Parecia erro, porque não tinha ligação com o que estava escrito ao lado. Fiquei nervoso e desisti de ler o jornal”, reclamou o psicanalista João Buono, 39.
O médico Marcel Davi de Melo, 31, que detesta publicidade disfarçada, não entendeu o que era aquilo. “Não tenho medo de cobra, rato, de quase nada, mas tenho justamente horror a aranhas”, contou.
A Secretaria de Redação avalia que “a publicidade inovadora em jornal é sinal da vitalidade com que o mercado vê o meio e da importância que dá a ele”.
As propagandas diferentes passam pelo visto da Redação. “Procuramos aprovar apenas as formas menos invasivas, que não atrapalhem a leitura dos textos”, diz a chefia. Só que a artimanha publicitária dos aracnídeos confundia o leitor e criava um ruído na leitura.
Fonte:Folha de São Paulo -Ombudsman