Os profissionais de marketing que têm investido pesadamente na publicidade do mundo digital enfrentaram recentemente uma série de problemas que agravaram um cenário já complicado: alguns estão descobrindo que não têm garantias sobre os benefícios gerados por esses anúncios.
A falta de transparência que assola o mercado publicitário ficou bastante vidente na semana passada. Revelações de que o Facebook Inc. superestimou em até 80% o tempo médio que as pessoas viam anúncios em vídeo em sua plataforma chocaram o mundo da publicidade e mídia.
Enquanto isso, a japonesa Dentsu Inc., uma das maiores agências de publicidade do mundo, admitiu na sexta-feira que cobrou mais do que devia por anúncios na internet de pelo menos 111 empresas. O “mea culpa” foi motivado por uma reclamação da Toyota Motor Corp. que seus anúncios na internet não estavam tendo o impacto prometido. A Dentsu se desculpou e culpou funcionários sobrecarregados de trabalho pela cobrança indevida.
Ao mesmo tempo, os profissionais de marketing estão questionando cada vez mais se suas agências de publicidade aceitaram descontos de empresas de mídia sem informar seus clientes. Uma investigação no início do ano sobre descontos na indústria destacou os negócios de publicidade digital como uma área essencial para análise. Empresas como a General Electric Co. e J.P. Morgan Chase & Co., entre outras, abriram auditorias sobre suas agências. Os grupos de publicidade negam qualquer conduta irregular.
Esses acontecimentos intensificam a preocupação dos profissionais de mídia de que a publicidade digital – que promete atingir consumidores que hoje estão grudados em seus dispositivos móveis e gastam menos tempo com a mídia tradicional – tem armadilhas e riscos reais.
A falta de transparência e de medição confiável na publicidade on-line estará entre os temas pressionando os executivos do mercado publicitário que se reúnem esta semana em Nova York para o evento Advertising Week. Eles também estão com receio de estar gastando bilhões de dólares em anúncios que não são “visíveis”, ou visíveis ao olho humano, ou que estejam sendo exibidos em sites com tráfego falso gerado por computador.
Essa confluência de problemas “poderia ser um ponto de inflexão” sobre a forma que os profissionais de marketing percebem a publicidade digital, possivelmente prejudicando o crescimento do mercado digital mundial, que movimenta US$ 194 bilhões por ano, diz Bob Liodice, diretor-presidente da Associação de Anunciantes Nacionais, grupo setorial dos Estados Unidos.
“Os profissionais de marketing estão reavaliando o nível de investimento na área digital porque estão começando a questionar o que eles estão de fato recebendo em termos de retorno sobre o investimento”, diz Liodice.
A grande questão para os profissionais de marketing é “estamos obtendo o valor real daquilo para o qual pagamos?”, diz Grant Leech, diretor de gestão de marca da operadora de celular U.S. Cellular Corp.
Apesar de suas reservas, os profissionais de marketing terão pouca opção, a não ser continuar ampliando os gastos com publicidade digital, especialmente em dispositivos móveis, se esperam atingir consumidores que gastam cada vez menos tempo na mídia tradicional.
No caso do Facebook, a empresa afirmou que a métrica divulgada por dois anos sobre o tempo médio que os usuários passam vendo os vídeos foi artificialmente inflada porque ela só considera os vídeos vistos por pelo menos três segundos, descontando períodos mais curtos. Grandes agências de publicidade pressionaram o Facebook por mais detalhes e a compradora de espaço de mídia Publicis Media, divisão do Publicis Groupe SA, foi informada que o erro do Facebook provavelmente superestimou a média do tempo gasto vendo os vídeos entre 60% e 80%, divulgou o The Wall Street Journal.
Na sexta-feira, o Facebook pediu desculpas sobre a falha. “Embora esta seja apenas uma das métricas vistas por profissionais de marketing, nós levamos a sério qualquer erro”, disse David Fischer, diretor de negócios de parcerias de marketing do Facebook, em um post. A revelação do Facebook fez sentido para muitos grandes executivos do setor, que consideram que várias grandes plataformas on-line são “walled gardens” imensuráveis, ou plataformas fechadas, que fornecem informações limitadas sobre o desempenho da mídia e os anúncios em suas redes.
“O principal ponto para mim é que os ‘walled gardens’ precisam desaparecer e eles precisam ser tratados em igualdade de condições com outros fornecedores”, diz Ron Amram, diretor de mídia da cerveja Heineken. Ele acrescenta que, junto com sua agência, vai se reunir esta semana com o Facebook para discutir o impacto da discrepância na métrica de visualização dos vídeos.
A notícia tem implicações para as empresas que concorrem com o Facebook na disputa por anúncios. O Facebook possui uma fatia de 22% do mercado publicitário móvel dos EUA, de US$ 46 bilhões, de acordo com a firma de pesquisa eMarketer, e sua receita com anúncios em dispositivos móveis saltou 80% no último trimestre. Esses concorrentes devem tentar tirar vantagem da falha na métrica do Facebook.
Plataformas como Facebook, YouTube, Twitter e Snapchat se gabam do número de pessoas que veem vídeos em seus serviços.
Por outro lado, as avaliações da firma de pesquisa Nielsen sobre os negócios na TV servem como moeda padrão para a compra e venda de espaço publicitário. Embora os compradores de espaço na TV e as redes de TV há tempos reclamem dos dados da Nielsen, os profissionais de marketing gostam de ter informações de uma fonte independente em que possam confiar.
As plataformas on-line estão “nos dizendo o quanto elas valem e é difícil verificar [se isso está correto]”, diz Leech. Ainda assim, ele diz não estar pronto para cortar os gastos com mídia digital.
“Se não tivermos um sistema amplo de verificação independente na mídia digital, isso vai influenciar a forma como os profissionais de marketing investem seus recursos”, diz Keith Weed, diretor de marketing da Unilever PLC.
(Colaborou Alexandra Bruell.)