Aprovada no mês de maio deste ano, na Europa, a chamada “lei do direito de ser esquecido” permite que cidadãos do continente possam pedir a remoção de links dos mecanismos de busca da internet, que façam referência a dados “irrelevantes” ou defasados sobre eles.
A lei causou revolta nos veículos de imprensa europeus, que, após a aprovação da legislação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, começaram a receber notificações do Google sobre links que foram removidos dos resultados de busca a pedido de pessoas envolvidas no noticiário.
O processo foi motivado pelo caso de um cidadão espanhol, que recorreu à Justiça para que resultados de buscas pelo seu nome, referentes à venda de uma casa para pagar dívidas há vários anos, fossem apagados.
A decisão tem sido considerada pelos veículos de comunicação europeus o começo do fim para sites de busca e para a liberdade de imprensa, mas especialistas discordam. Isso decorre, em parte, de como a decisão foi escrita. A Corte deixou claro que veículos de comunicação estão isentos destes pedidos – o Google é atingido porque não é considerado “mídia”, mas um processador de conteúdos e, assim, não é obrigado a obedecer a regulamentação europeia.
A Justiça também estabeleceu que os indivíduos não podem simplesmente pedir que determinados links sejam deletados. Ao invés disso, é necessário manter um balanço de todos os direitos envolvidos – inclusive o de acesso à informação pela população. Isso limita a aplicação a um número reduzido de processos, nos quais as informações a serem apagadas são condenatórias ou irrelevantes.
“Tal direito de exclusão existe há vinte anos e poucas pessoas o usaram. E não há razões para acreditarmos que isso irá mudar”, diz Viktor Mayer-Schönberger, professor de governança e regulação na Internet na Universidade de Oxford. Para ele, os sites de busca não precisam se reconstruir para se adequar, pois o Google já lida com milhões de pedidos de deleção por causa de violações de direitos autorais todo mês. “Logo, algumas centenas de pessoas não farão muita diferença”, explica.
Reação da mídia
Apesar da reação apocalíptica nas redações europeias, a avaliação é de que o cenário não é desesperador. Segundo Michael Fertik, fundador da Reputation, empresa que ajuda pessoas a melhorarem seu perfil on-line, é benéfico e saudável haver discussão e até desacordo à implementação da lei. “É isso o que acontece quando leis importantes e que mudam os paradigmas passam. Sempre há período de adaptação enquanto os detalhes práticos são estudados”.
“Parte da mídia tem exagerado e falha em entender os fatos relevantes deste caso. Mas, o comportamento do Google também não tem ajudado a esclarecer mal-entendidos”, acusa Viktor.
No início de agosto, o Google especificou detalhes do processo em uma longa carta com respostas a 26 questões levantadas pelo grupo de trabalho Artigo 29, da União Europeia. Principal regulador da política de dados da Europa, o coletivo enviou ao Google, à Microsoft e ao Yahoo um questionário sobre as operações devido ao descontentamento no continente com a atual administração dos pedidos de “direito ao esquecimento”.
Entre alguns dos problemas citados no documento pelo conselheiro global de privacidade do Google, Peter Fleischer, estão requerimentos que continham informações falsas e inexatas. “Mesmo que alguns requerentes forneçam os dados corretos, eles podem omitir fatos que não lhes sejam favoráveis”, explica.
A empresa recebeu 91 mil pedidos de remoção de links dos seus resultados na Europa entre maio e o mês passado. Devido à grande quantidade de requisições, o Google só conseguiu eliminar 53% das páginas pedidas, com mais informações solicitadas para 15% de URLs. Cerca de 30% das solicitações foram negadas.
A empresa disponibiliza em seu site um formulário on-line para que os usuários façam suas requisições. O regulamento informa que podem ser alvo do pedido aquelas informações consideradas “irrelevantes, desatualizadas ou inapropriada de alguma forma”.
De acordo com o professor de direito da PUC-SP, Roberto Dias, alguns parâmetros estão muito fluidos ainda. “Nessa lei devem entrar situações excepcionalíssimas em que você tem uma informação que não é de relevância pública, que é uma informação de caráter estritamente pessoal e que não tem nenhuma repercussão na vida política e pública do país”.
No mesmo documento, o Google apresenta uma tabela com a lista dos países que mais pediram a remoção de links dos resultados da busca do site. A França é a primeira, com 17,5 mil solicitações individuais, envolvendo 58 mil URLs. A Alemanha ficou em segundo lugar, com 16,5 mil pedidos, e o Reino Unido em terceiro, com 12 mil solicitações. Espanha, Itália e Holanda enviaram 8 mil, 7,5 mil e 5,5 mil formulários de remoção, respectivamente.
Questionado sob qual seria o impacto real da lei para o jornalismo e a liberdade de expressão, Michael Fertik, da Reputation, empresa que ajuda pessoas a melhorar seu perfil on-line, apontou que as “pessoas geralmente cometem o erro de igualar o Google à liberdade de expressão, o que não é verdade”. “Quando os resultados estão errados, confusos ou desatualizados, eles podem impactar a vida pessoal e profissional de alguém. É disso que se trata o ‘direito de ser esquecido’: resgatar alguma noção de dignidade digital. Isso não afeta o jornalismo”.
Viktor não acredita que exista uma conexão tão clara: “A Diretriz da União Europeia sobre privacidade deixa bem estabelecido que o direito de ser esquecido não se aplica à mídia on-line. Isso impediria a liberdade de imprensa protegida pela Carta Europeia dos Direitos e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”.
Ações no Brasil
Embora os processos referentes à lei ainda estejam restritos à europa, existe a preocupação de que mais países a adotem. “O conceito de dignidade digital transcende fronteiras geográficas e culturais. Se você está on-line, deveria se importar, pois ninguém está imune ou protegido do poder da internet”, analisa Fertik.
O conceito não é estranho à Justiça brasileira. Em 2013, um relatório de transparência do Google apontou que o Brasil é o segundo no ranking de solicitações judiciais de retirada de conteúdo dos serviços da empresa, perdendo apenas para os Estados Unidos.
Para Dias, isso não apenas pode como já aconteceu no Brasil. Em 2013, duas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trataram especificamente do direito ao esquecimento em ações contra a Rede Globo.
Inocentado da acusação de envolvimento na chacina da Candelária, Jurandir Gomes de França garantiu no STJ o direito de ser esquecido. Os ministros da Quarta Turma julgaram que França não deveria ter sido retratado pelo programa “Linha Direta”, da TV Globo, anos depois de absolvido de todas as acusações.
Na outra decisão, o STJ manteve a condenação da apresentadora Ana Maria Braga e da Globo a indenizar em R$ 150 mil uma magistrada por críticas feitas contra ela. Durante um programa, Ana Maria criticou a liberdade provisória de um jovem e divulgou o nome da juíza responsável. A apresentadora pediu que os telespectadores “guardassem seu nome”.
De acordo com o STJ, a juíza e seus familiares tornaram-se alvo de críticas e perseguições populares, o que levou a magistrada a mover ação por danos morais contra a apresentadora e a Globo. “São dois casos que já têm na jurisprudência do STJ e são decisões de 2013. No Brasil, a gente já tem a discussão nos tribunais há algum tempo. Para estar no STJ, é porque está se tratando há algum tempo e creio que isso vai chegar ao STF”, completa.
Fonte:Portal Imprensa -Últimas Notícias