Objetivo de comissão é impedir anúncios que associem o crédito a um padrão de vida elevado, o que estimularia o endividamento
A realidade de quem contrai um empréstimo – contas vencendo, dívidas crescendo como uma bola de neve em função dos juros estratosféricos e noites sem dormir de preocupação – normalmente não tem nada a ver com praias paradisíacas, carro zero-quilômetro estacionado na garagem ou notas de R$ 100 transbordando dos bolsos, imagens que os bancos costumam usar em sua publicidade. Para evitar o estímulo ao superendividamento, os anúncios do setor devem passar por um controle mais rígido. A intenção da comissão que discute a reforma do Código de Defesa do Consumidor (CDC) no Senado é evitar a situação em que o cliente comprometa toda a sua renda sem garantir o mínimo para sua subsistência e de sua família.
“A democratização do crédito tem aspectos positivos: possibilitou o acesso a bens e elevou a qualidade de vida da população. Por outro lado, esse estímulo leva ao superendividamento e a legislação brasileira não prevê mecanismos de defesa do consumidor nessa situação. É preciso existir uma tutela”, avalia a juíza do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) Sandra Bauermann. Para ela, a situação compromete o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. “Nem a economia nem a sociedade ganham com isso. O devedor não paga, o credor não recebe e quem sofre é sempre a parte mais fraca”, diz a magistrada.
Reforma
A comissão encarregada da atualização do Código de Defesa do Consumidor pretende inserir na legislação um artigo que proteja o consumidor contra a publicidade que estimule o endividamento. A legislação deverá estender ao consumo do crédito o direito de arrependimento mesmo após a assinatura do contrato, além de garantir a reserva do “mínimo existencial” – 70% dos rendimentos para pagamento das contas essenciais, impossibilitando a penhora de mais de 30% para o pagamento de dívidas como empréstimos ou crédito consignado.
“Bancos e financeiras anunciam o crédito como uma solução financeira, quando na verdade ele agrava o problema. Usam frases de efeito como ‘dinheiro agora’ ou ‘sem consulta ao SPC’. É preciso que a lei restrinja os abusos, principalmente das propagandas que reduzem os riscos da tomada de crédito focando em públicos vulneráveis como idosos”, diz a especialista em Direito do Consumidor pela Universidade de Coimbra Clarissa Costa de Lima.
“O objetivo é concretizar o trabalho que promova a recuperação da saúde financeira do cidadão, não oferecida pela legislação brasileira”, diz a juíza do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) Káren Rick Bertoncello, responsável pelo projeto piloto de tratamento dos superendividados naquele estado. Ela lembra que todo o trabalho é focado no princípio da boa fé objetiva. “Nenhuma das partes pode querer a ruína do outro. A renegociação deve ser a premissa”, finaliza.
Banco oferece educação financeira
Nos últimos anos, o setor bancário colocou o conceito do “uso do crédito consciente” no seu planejamento estratégico. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban), representante institucional do setor, criou em 2010 uma diretoria específica com o objetivo de promover a educação financeira da população.
A entidade mantém um portal – www.meubolsoemdia.com.br – que usa linguagem educacional e temas inerentes à realidade do consumidor. O site também oferece um software gratuito para auxiliar o usuário na elaboração de um orçamento doméstico e no planejamento dos gastos financeiros. O programa conta com uma “Galeria dos Sonhos”, que indica o quanto é preciso poupar para atingi-los.
Outra frente é o programa “Caravana Meu Bolso”, uma feira de educação financeira, investimentos, crédito e emprego. Além disso, a Febraban também oferece um workshop sobre educação financeira para ONGs, escolas, empresas e sindicatos. A entidade cobra uma taxa para realizar o evento em empresas, mas promove o serviço gratuitamente em entidades e associações sem fins lucrativos.
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