31 de Julho de 2011 – 17h15
A TV digital poderá dar sua maior contribuição à sociedade brasileira na medida em que forem priorizadas a diversidade de canais e a interatividade – e percebidas a sua facilidade de uso e utilidade. Neste processo, a criação de um Operador Nacional Único de Rede de TV Pública é fundamental.
Para o engenheiro Alexandre Freire da Silva Osorio, diretor de tecnologia da Frente Nacional pela Valorização das TVs do Campo Público (Frenavatec), na TV digital o telespectador torna-se usuário e as TVs públicas têm papel central no cenário de digitalização da transmissão.
A seguir, a entrevista que o pesquisador concedeu:
Por que a TV digital não “deslancha” no Brasil?
Alexandre Osorio: Entendo que estamos nos atendo à TV digital terrestre, de sinal aberto. Essa é uma questão que possui várias componentes. Para essa análise, prefiro adotar o ponto de vista do usuário (termo mais apropriado que ‘telespectador’, em se tratando de TV digital interativa). Segundo um modelo denominado TAM (sigla em inglês para Modelo de Aceitação de Tecnologias), os fatores que condicionam a aceitação de uma nova tecnologia por uma pessoa podem ser divididos em duas categorias básicas, a saber, a facilidade de uso percebida e a utilidade percebida.
Entre os fatores que influenciam na percepção da facilidade de uso, encontram-se aqueles que dizem respeito aos dispositivos eletrônicos integrantes dessa nova tecnologia – e aqui quero me ater aos terminais de acesso, termo que dou preferência ao invés de caixas conversoras, por remeter à interatividade e assim contribuir para que a TV digital finalmente deixe de ser compreendida como uma mera conversão de sinais (de analógico para digital, em alta definição ou não).
É importante que os terminais de acesso, quer seja embutidos em aparelhos de TV ou externos, sejam acessíveis. Essa é uma condição básica, necessária apesar de insuficiente. Um impulso importante seria dado com ações de fomento à indústria e à inovação, com intuito de valorizar a tecnologia nacional para esses dispositivos, como de resto, para toda a cadeia de equipamentos ligados à TV digital.
De que forma esses terminais podem ser mais acessíveis?
Alexandre Osorio: Quando digo acessíveis, não estou me referindo apenas à questão do preço. E aí me remeto ao segundo conjunto de fatores de aceitação, ou seja, aqueles ligados à utilidade percebida da tecnologia: em nada adianta termos terminais de acesso disponíveis na loja mais próxima e a preços baixos, se não percebemos utilidade neles.
A programação da TV digital aberta hoje é basicamente a mesma da TV analógica. Tenho dúvidas da capacidade que a alta definição tem de aumentar a percepção de utilidade da TV digital. Quanto à mobilidade, ainda temos que testar sua aceitação.
Na minha opinião, a TV digital dará sua maior contribuição à sociedade brasileira na medida em que duas questões forem priorizadas: o aumento da diversidade de canais e a interatividade. Não é exagero falar que o aumento de diversidade de programação é uma necessidade, e não só porque a quantidade de canais de TV aberta não passa de uma meia dúzia.
Em primeiro lugar, podemos citar uma questão de mercado estratégica para o Brasil – serviços audiovisuais são hoje os de maior valor agregado no conjunto das mídias digitais, devendo movimentar cerca de 510 bilhões de dólares no mundo em 2011, com crescimento projetado de 4% ao ano, segundo dados da Ancine (Agência Nacional de Cinema). No entanto, o mercado brasileiro ainda é pequeno comparativamente ao potencial do país, representando, em faturamento, apenas cerca de 2% do mercado mundial, ainda segundo a Ancine.
Portanto, estamos falando da importância de investimento na produção audiovisual nacional e a TV é um meio importante de exibição.
Mas, para além da questão de mercado, existe uma outra, que eu creio ser ainda mais importante, por sua natureza sutil e profunda, e que tem a ver com o conceito do “direito ao espelho”, bem adaptado por Célio Turino [historiador, escritor, exsecretário da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura 2004/2010, idealizador do Programa Cultura Viva e dos Pontos de Cultura] para o contexto que eu gostaria de salientar aqui: A riquíssima diversidade cultural brasileira deve (porque quer) cada vez mais ter espaço para se manifestar e ser percebida. Talvez como reação ao processo de globalização, creio que o direito ao espelho esteja sendo cada vez mais valorizado na nossa sociedade e, quem sabe, no futuro seja até mesmo incorporado dentro do conjunto de direitos civis.
Em se tratando de conteúdos audiovisuais, podemos salientar a existência de um número cada vez maior de produtores independentes e regionais, entre os quais destaco TVs Comunitárias, TVs Universitárias, Pontos de Cultura com vocação para produção audiovisual e pequenas e médias produtoras. É importante destacar o papel central das TVs públicas no novo cenário de digitalização da transmissão, como pontas-de-lança desse processo de abertura: creio que o aumento da utilidade percebida pelo usuário, pelo exercício do direito ao espelho mediante acesso a uma maior diversidade de conteúdos, virá com investimento na expansão da TV pública.
E como é possível essa expansão da TV pública?
Alexandre Osorio: Um ponto central nesse processo é o atualíssimo debate sobre a criação de um Operador Nacional Único de Rede de TV Pública. Também não podemos nos esquecer que conteúdos de TV digital são multimídia e interativos. É importante a existência de programas de fomento à criação de conteúdos inovadores e de qualidade, tanto técnica, quanto estética.
O Programa Ginga Brasil tem dado um passo importante nesse sentido, ao capacitar Pontos de Cultura, TVs Comunitárias e outros produtores na linguagem NCL, usada na produção de conteúdos interativos para o middleware [programa que faz e mediação entre software e outras aplicações] brasileiro.
O investimento no contínuo aprimoramento das ferramentas de autoria de conteúdos também é muito importante. A combinação da riqueza cultural e da criatividade brasileira com o uso de ferramentas de software livre nas mãos de produtores capacitados pode criar um ambiente de inovação da linguagem televisiva talvez único no mundo.
Voltando aos fatores que influenciam a percepção de facilidade de uso da nova tecnologia, os conteúdos interativos produzidos devem possuir boa usabilidade, o que pode ser traduzido como facilidade de navegação pelo controle remoto, e ao mesmo tempo serem inteligíveis para seus usuários. Num país em que cerca de um terço da população é funcionalmente analfabeta, a inteligibilidade dos conteúdos é fundamental.
Esperava-se que a TV digital possibilitasse a inclusão digital. É possível?
Alexandre Osorio: A forte expansão em anos recentes da quantidade de conexões à internet e a existência de programas de incentivo à aquisição de computadores têm permitido um aumento exponencial na quantidade de brasileiros conectados. Com a perspectiva do PNBL, a expectativa é de uma expansão ainda maior. Talvez esse fenômeno, somado aos fatores que têm impedido o deslanche da TV digital terrestre e ao surgimento de novos dispositivos tais como a Web-TV, tenha contribuído para tirar a atenção da TV digital como ferramenta auxiliar no processo de inclusão digital. No entanto, muito ainda há por ser feito (somente 40% da população é usuária de internet, segundo o Cetic – Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação) e ainda acredito que a TV digital pode dar uma contribuição importante.
Novamente aqui a TV pública tem importância fundamental, uma vez que essa é uma questão que provavelmente não deve ser tratada com grande interesse pelas TVs privadas. A proposta inicial, lançada pela EBC [Empresa Brasi de Comunicação] no ano passado, de criação de um Operador Nacional de Rede Pública de TV Digital (RNTPD), destinava espaço exclusivo no espectro para aplicativos interativos, tais como os de governo eletrônico.
A criação de uma tal infraestrutura irá possibilitar a transmissão em larga escala de aplicativos de interesse público que, com boa inteligibilidade, poderão ser utilizados facilmente pelo controle remoto, uma forma mais familiar para quem não está acostumado com o uso de computador.
Creio que um primeiro passo a ser dado é a conscientização da sociedade sobre a importância do Brasil ter um Operador de Rede de TV Pública, não só para que a TV digital possa efetivamente cumprir com seu objetivo de promover a inclusão social (pela inclusão digital), mas também para que possa cumprir com outros objetivos listados no decreto 4.901/2003, que instituiu a TV digital no Brasil, tais como a democratização da informação, a criação de uma rede universal de educação à distância, o aperfeiçoamento do uso do espectro de radiofrequências, etc.
É viável o desenvolvimento da TV digital num cenário em que as teles – entrando no mercado de conteúdo audiovisual e na banda larga – ingressam com muito mais poder econômico?
Alexandre Osorio: O PNBL pode dar uma contribuição valiosa para instituir e consolidar o Operador Nacional de Rede de TV Pública, pela possibilidade de uso de sua rede de fibras ópticas e de rádios de alta capacidade para trafegar os conteúdos gerados pelos canais de TV até as estações de transmissão, além de dar suporte ao canal de retorno, necessário para as aplicações com interatividade plena.
A Telebrás tem demonstrado boa vontade com um possível casamento entre o PNBL e a RNTPD, o que é auspicioso. Este momento deve ser bem aproveitado para impulsionar as decisões que precisam ser tomadas sobre o operador de rede. Nesse sentido, tem sido bastante importante o envolvimento da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação nessa questão.
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