Testemunha da história para uns, uma de suas protagonistas para outros, a televisão brasileira chega aos 60 anos neste fim de semana em meio a especulações quanto a seu futuro. Sua relevância ainda é incontestável como forma de entretenimento e instrumento de disseminação cultural – mesmo no momento em que a internet conquista um público ávido não apenas por novidades, mas pela escolha livre da programação. A perda da audiência para a rede, já registrada em pesquisas e acompanhada por especialistas, não assusta, no entanto, alguns homens de televisão, como o diretor J.B. de Oliveira, o Boninho, diretor da Rede Globo. À frente do “reality show” “Big Brother Brasil”, ele aposta na fidelidade do público, embora ressalte a necessidade de inovações constantes: “A audiência está ali, pronta para se ligar, para assistir. Inovar sempre é uma obrigação”.
As inovações já começaram a ser adotadas há tempo. Além de usar e abusar das redes sociais para divulgar a programação, a televisão cada vez mais sai de seus próprios limites, seja atingindo públicos fora das fronteiras domésticas, com seriados gerando filmes para a tela grande – como “Os Normais” e “A Grande Família” -, ou até invadindo a realidade do espectador por meio de perfis de personagens de telenovelas em blogs ou no Twitter.
“A nova forma da televisão é transmidiática. Já se pode comprar o brinco da personagem da novela pelo site da emissora que a transmite. E isso vem de processos iniciados na década de 1970, quando a teledramaturgia não se limitava a contar uma história, mas a direcionava para uma faixa de público específica, baseada em pesquisas mercadológicas”, diz Igor Nascimento, um dos organizadores do recém-lançado “História da Televisão Brasileira” (Editora Contexto), que analisa os aspectos social, político, econômico, cultural, tecnológico, profissional e estético, entre outras características próprias da televisão no Brasil.
A autonomia na escolha da programação, fenômeno que só faz crescer a partir da internet 2.0, permanece restrita a uma pequena faixa da população brasileira, os cerca de 14 milhões que têm computador em casa. “O que a internet e as novas mídias possibilitam é abalar a figura do editor, criando mecanismos mais explícitos de contestação do conteúdo e reduzindo a passividade da audiência. Todavia, isso não elimina a moderação do material produzido por esse novo espectador”, observa Marco Roxo, professor do departamento de estudos culturais e mídia do Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense, e também organizador de “História da Televisão Brasileira”.
Para Esther Hamburger, chefe do departamento de cinema, rádio e televisão da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, a ânsia de inclusão digital é forte no Brasil, mesmo esbarrando na precariedade da infraestrutura da banda larga oferecida atualmente. “A televisão ficou jurássica para os adolescentes, que praticamente já nem mais a assistem, e está perdendo audiência para ela mesma, para os aparelhos desligados. A tendência é haver uma interação, já que vai aumentar muito ainda o espaço tomado pela internet, gerando uma mudança na relação das pessoas com a televisão”, observa Esther.
O público jovem não é uma preocupação específica de Boninho, que acredita na inventividade e na qualidade da programação para atrair espectadores de qualquer faixa etária. “A televisão é uma batalha diária de conquista. Será preciso pensar em qualidade, dar ao telespectador produtos inéditos, diferenciados. A pulverização das mídias será cada vez maior, vai ganhar quem tiver o melhor conteúdo. Na guerra pela audiência, muitas vezes as emissoras preferem popularizar, jogar o nível para baixo e isso é muito ruim. Nosso maior valor é o telespectador.”
Apesar do inegável avanço do computador no entretenimento do brasileiro, a pesquisa “The State of Media Democracy”, que ouviu, no Brasil, 1.346 pessoas que usam internet (ver quadro) identificou crescimento no número de assinantes de TV paga no país – um público menos passivo que o das gerações anteriores. A mudança de comportamento do espectador começou na década de 1990, quando o Brasil tomou contato com a internet, a TV por assinatura e os aparelhos de DVD.”
Naquele momento foram modificadas as relações complexas que haviam sido estabelecidas ao longo de 50 anos. A televisão continua fazendo parte da vida brasileira, mas de forma diferente. O público ganhou uma autonomia que não existia antes”, diz Esther Hamburger.
Por maior que seja o impacto da internet nas comunicações, o rompimento dos telespectadores com a televisão no Brasil está longe de acontecer, afirma Beatriz Becker, professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mesmo com um discurso elitista e tendo suas origens ligadas à necessidade de representação de uma classe urbana no país, a televisão brasileira seria o elemento agregador que permitiu a construção de identidade da nação, além de conceder visibilidade a uma população tradicionalmente excluída, acredita Beatriz.
“A televisão precisa escapar da visão de que é o depósito do lixo intelectual do mundo. O Brasil foi inovador na utilização da técnica de produção para massas, com projetos vanguardistas de estéticas renovadoras em narrativas televisivas, tanto na teledramaturgia, que levou a linguagem do teatro para a televisão, quanto na cobertura jornalística. A televisão brasileira pode reivindicar com propriedade seu papel como produto cultural, que tanto intervém quanto sofre influências da sociedade. É nessas interações que ela leva ao espectador a ideia de cultura brasileira”, diz Beatriz.
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