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O ICMS sobre os serviços da internet


Em uma decisão tomada em abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu pela inexistência de repercussão geral constitucional no debate sobre a definição da legitimidade da cobrança do ICMS sobre o serviço de acesso à internet (RE 583.327).

No voto condutor, o Ministro Carlos Britto, citando precedentes da Corte, entendeu que o tema alusivo à incidência do ICMS no serviço prestado pelos provedores de internet está circunscrito ao exame de matéria infraconstitucional. Ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowksi, e não se manifestou a Ministra Cármen Lúcia.

Contudo, analisando julgados do Supremo em questões tributárias, além dos quatro precedentes citados na manifestação do relator, percebe-se que a decisão não se sustenta.

A questão debatida envolve a interpretação do conceito jurídico-constitucional de comunicação. Como o artigo 155, inciso II, da Constituição, autoriza os Estados e o Distrito Federal a instituir imposto sobre a prestação de serviço de comunicação, algumas unidades da federação editaram leis prevendo a incidência do tributo quando estabelecido o acesso à internet.

A legislação que institui a cobrança do imposto na prestação do serviço de internet será constitucional se o serviço for considerado uma forma de comunicação. Caso se conclua que não se trata de comunicação, não incidirá o tributo. Sem adentrar ao mérito da questão de fundo – a constitucionalidade ou não da incidência do ICMS – parece indubitável a circunstância de que a questão discutida é eminentemente constitucional.

A jurisprudência do Supremo está repleta de precedentes em que debatida a amplitude de conceitos mencionados na Constituição. Cabe citar, por exemplo, as definições de faturamento (RE 390.840), serviços (RE 116.121), folha de salários (RE 166.772), renda (RE 172.058) e funcionamento parlamentar (ADI 1.351). Nesses julgados, o tribunal apreciou se o tratamento legal dos institutos extravasou o respectivo conceito jurídico-constitucional.

Conforme destaca o Ministro Marco Aurélio, “o conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos consagrados pelo direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceito estabelecido com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos quer, no caso do direito, pela atuação dos Pretórios” (RE 166.772).

Como mencionado, o ministro Britto citou quatro precedentes para corroborar seu entendimento de que a incidência de ICMS sobre o serviço prestado pelos provedores de internet envolve a mera interpretação de diplomas legais. Dos julgados citados, na ocasião em que proferido o voto, apenas um havia sido apreciado pela 2ª Turma, sendo que os demais tinham sido decididos monocraticamente e algumas decisões sequer haviam transitado em julgado. Assim, percebe-se a inexistência de jurisprudência robusta da Corte sobre o tema.

A decisão do Supremo é também contraditória se comparada a outras decisões relativas ao instituto da repercussão geral. O Plenário entendeu presente a relevância, por exemplo, no recurso em debatida a adequação constitucional do conceito de valor aduaneiro previsto na Lei 10.865, de 2004.

A repercussão geral é um importante instrumento processual; ao possibilitar a seleção dos recursos que o Supremo irá julgar, afasta a necessidade de apreciação dos processos que não possuem relevância constitucional. Sua análise ocorre através de sistema informatizado. Isso proporciona mais rapidez na apreciação dos processos, o que é positivo para os jurisdicionados.

Porém, deve-se observar que o julgamento por um sistema eletrônico inviabiliza a sustentação oral por advogados. Além disso, alguns ministros sequer têm elaborado votos escritos com os motivos da sua convicção sobre o tema, apenas assinalando eletronicamente se entendem presente ou não o requisito.

Automação e celeridade não podem acarretar decisões contraditórias, amparadas em precedentes sequer decididos definitivamente por órgãos colegiados, como ocorreu no exame da repercussão geral da questão em análise. Cumpre reter que, uma vez definida a orientação, não há mais possibilidade de o jurisdicionado submeter a questão à Corte. Isso porque os demais processos ficam sobrestados nas Cortes de origem, no aguardo do julgamento do processo piloto. A mudança de entendimento pode ocorrer apenas se algum ministro não acatar conclusão anterior e inserir outro recurso sobre o tema no sistema informatizado. E isso apenas poderá ocorrer se outro processo sobre a tese já tiver subido à Suprema Corte.

Caso julgamentos como o referido se repitam, questões constitucionais de alta relevância simplesmente ficarão sem a apreciação do STF, o que acarretará no esvaziamento da função precípua do tribunal, qual seja, a guarda da Constituição.

Flávio Jaime de Moraes Jardim e Guilherme Silveira Coelho são advogados do escritório Moraes Jardim Advocacia, com sede em Brasília

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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